O MEU PRIMEIRO SALÁRIO

Um amigo disse-me que estava largando o emprego que tinha de ‘boy’ em um escritório de contabilidade e me perguntou se eu não queria pegar a vaga. Eu estava com quatorze/quinze anos e gostei da idéia, apesar de não haver nenhuma cobrança da minha familia para isso, mas a idéia de conseguir alguns extras me animou e, principalmente, porque o horário de trabalho era das 13:30 às 17:30 e eu estudava de manhã

O salário era de meio salário mínimo. Eu lembro que em valores nominais, da época, eram oitenta de, digamos, cruzeiros e que não seria registrado e eu também nem sabia que vantagens teria isso.

Apresentei-me lá e comecei a trabalhar imediatamente.

Era mais um novo Office boy na praça, enchendo as filas dos bancos e repartições públicas e andando para lá e para cá, o que para mim era bom, pois conheceria melhor a cidade e não ficaria preso dentro de um escritório.

Era um escritório onde só trabalhava japoneses, quatro moças e o patrão e ainda estava na minha primeira semana de trabalho quando o chefe pediu para eu ir até o Depto de saúde pública fazer algum procedimento e me deu cinqüenta reais para as despesas.

E lá fui eu, de pastinha na mão, a caminho da repartição que ficava numa região não muito nobre da cidade, onde antes de chegar se passava por algumas quadras onde só havia uns bares da pesada e alguns hotéis de terceira categoria, quando vi uma aglomeração em frente de um dos bares e dei uma parada para ver o que estava acontecendo.

No centro do burburinho tinha uma caixa e em cima dela o pessoal estava fazendo apostas num jogo, depois soube o nome, chamado ‘Pingüim’ e funcionava da seguinte forma: Eram três cartas, duas brancas e na outra havia a foto de um pingüim e as mesmas eram embaralhadas e depois de colocadas na ‘mesa’, se a pessoa acertasse onde estava o pingüim, ganhava o dobro do valor que tinha apostado, caso contrário perdia o apostado.

E eu fui ficando por ali vendo. O jogador jogava as cartas e eu ‘cá comigo’ pensava ‘está na da esquerda’ e o cara que tinha apostado disse que estaria na do centro, para meu espanto. E ao virar as cartas o pingüim estava naquela que eu tinha pensado.

Jogaram mais uma vez e aconteceu a mesma coisa e a carta que eu tinha pensado era a certa e eu comecei a pensar que o cara só podia ser 'muito burro' rss de não ganhar num jogo que para mim parecia tão fácil.

E as apostas foram se sucedendo e eu sempre, mentalmente, ia acertando, até que a minha resistência cedeu e eu, mesmo temeroso, resolvi fazer uma aposta, pois o jogo me parecia muito fácil.

A aposta era de 25,00 cada e o cara embaralhou as cartas e pôs na mesa e eu fui certo, como até então mentalmente, naquela que parecia ser a correta. Coloquei o dinheiro e aguardei a carta ser virada e para meu estarrecimento ela era uma das brancas.

Senti o chão sumir dos meus pés e para tentar recuperar o dinheiro fiz mais uma aposta e ao virar a carta era novamente uma das brancas. Branca do mesmo jeito que eu fiquei e imediatamente os homens recolheram a caixa e entraram rapidamente para dentro do bar e eu vi, na hora, a armadilha em que tinha entrado.

Fiquei apalermado e acredito que nunca me senti tão sozinho na minha vida. O mundo caiu nas minhas costas. Vi um guarda chegando e tentei explicar o que me tinha acontecido, mas nem eu sabia o que era.

Então como explicar? O guarda só me disse que não poderia fazer nada e me deixou novamente sozinho no meio daquelas pessoas que passavam e que não conseguiam ver como aquele garoto estava tão atordoado.

Comecei a tomar o caminho de volta para o escritório e na medida em que ia caminhando notei que um cachorrinho estava me seguindo. Eu dava alguns passos, parava, e ai ele também parava. Eu olhava para ele e pensava ‘como seria bom ser ele naquela hora’, livre da encrenca que eu tinha arrumado.

Ele foi me seguindo até chegar numa praça cheia de movimentação e onde eu já estava mais conformado e já com coragem de voltar ao escritório para encarar as conseqüências do meu ato.

Aquele cachorrinho foi meu apoio, naqueles momentos, e depois sumiu, assim como tinha aparecido.

Chegando ao escritório falei para o patrão que havia perdido o dinheiro e ele falou que não tinha problema só que descontaria no fim do mês.

E foi assim que o meu primeiro salário, que já seria a metade, virou um quarto.

Tive que trabalhar quase dois meses para sentir o gostinho de receber o 'meu' inteiro que era só a metade.

‘Conservai puro o foco dos vossos pensamentos, com isto estabelecereis a paz e sereis felizes’. Abdruschin em ‘Na Luz da Verdade’ – graal.org.br

HAMILTON SERPA
Enviado por HAMILTON SERPA em 09/09/2009
Reeditado em 15/10/2009
Código do texto: T1801694
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