Justapostos

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Anos-luz daqui, bem distante do arco-íris, um médico-cirurgião precisou urgentemente operar uma linda princesa adolescente. Ela cresceu e encontrou seu amor-perfeito.

No império onde a princesa crescera tudo era aos avessos, mas havia felicidade, mesmo quando o monarca cometia injustiças.

O rei não era um típico mandachuva e estava longe de ser déspota, ditador... Ele era, isso sim, um artista de mão cheia! – adorava contemplar os belos quadros do pintor dos girrassois.

Na corte havia muitos soldados. O reino vivia em harmonia, mas não desguarnecia seu aparato defensivo, pois nação com exército fraco é nação sem soberania forte. Havia oficiais capitães, majores... E havia, também, o imponente tenente-coronel Justino, que adora evitar que Quirino, o coronel perversinho, maltratasse os subordinados, distribuindo pontapés.

Justino era benevolente, calmo, e adepto de um delicioso chá de erva-doce que aprendera a degustar com o tio-avô Firmino, Grão-Pará de um antigo imperador. Nos serões de família, eles se esvaíam ao sabor do chá, inebriando-se ao menor rumor da fragrância que percorria os arredores da cozinha.

Já o coronel Quirino era do estrangeiro, descendendo da Grã-Bretanha. Daí sua rispidez e seu trato certeiro e pontual trazidos de além-mar – ele não atrasava nenhuma admoestação.

Hoje é dia de festa. Todos no reino estão exaltados e eufóricos com a chegada da nova confraria de violeiros dissidentes do circo mambembe do reino da Antuérpia.

Dona Naná preparou um feijão-verde para o rei – o bondoso homem carecia de cuidados e não poderia ficar ao deus-dará, nunca. Feijão dá sustança, meu rei! – sempre advertia a doce e fiel serva.

Pratos à mesa. Todos comem. Dois soldados, numa outra mesa, discutem e um deles, à queima-roupa, desfere uma punhalada no amigo. O militar assassino era neto de um antigo guarda-noturno sul-africano, odiado pelo primeiro-ministro do rei.

Dia de luto. Feriado. Festa e consternação se misturam e as visões do mundo e da realidade se interpenetram, insinuando um vazio dentro da completude.

A água-de-colônia da princesa se confunde com o odor emanado pelo féretro do mal-afortunado homem. Do vestido cor-de-rosa da nobre senhorita, pendem feixes bordados de tecido que se esgalham harmoniosamente pelo chão. O mal-estar é geral. Morrera um excelente soldado, um homem sempre bem-humorado que nunca dera trabalho ao rei.

A princesa, bem-vestida e reflexiva, tira uma flor do jardim do castelo e inicia uma silenciosa oração-pedido: ‘bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer...’

De repente, surge um belo príncipe que se aproxima e a conforta, dando-lhe um suave beijo, bem-soante, na não.

Ambos bem-nascidos, ele bem-falante, esquecem-se do motivo da constrição que os uniu.

O padre inicia o sermão:

– Bem-aventurado todo aquele...

A voz do religioso, apesar de espalhar conforto a todos, por ser bem-ditosa, era, todavia, malsoante.

Sem-cerimônia, o rei põe fim à missa e se prostra, de joelhos, pedindo, altivamente, um sem-número de vezes:

– Pai, tende piedade de nós!

O poder extra-humano, que transcende ao nosso entendimento, é o melhor e mais potente contra-ataque, é a forma pós-histórica de se reinventar a vida em sociedade.

A rainha decretou feriado no reino em comemoração ao novo herdeiro que nascera. No mesmo instante, no reino que fica a anos-luz daqui, nascia o arqui-inimigo do futuro rei.

Nijair Araújo Pinto

Crato-CE, 6 de setembro de 2009.

20h05min

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 08/09/2009
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