Dor de escritor
Lá estava ele novamente às voltas com mais uma de suas crises. Sentia uma ânsia de escritor. Era um desejo difuso de produzir algo de valor literário que o perseguia desde muito jovem e que era recorrente de tempos em tempos ao longo de sua vida.
Houve uma época em que acreditava piamente nessa sua pretensa vocação para as letras e chegou até a esboçar alguns poemas, algumas “cronicazinhas” de valor literário questionável... porém, tudo numa atividade descontínua, sem ritmo, sem perseverança.
Por fim chegou um momento em que desistiu dessa neura de ser escritor. Não percebia em si as características necessárias à exigente tarefa. Por exemplo, não tinha a paciência para reescrever várias vezes o mesmo texto. Escrever para ele era libertar-se de um fardo, era catártico. Uma vez posto para fora dava somente os retoques minimamente necessários à compreensão e clareza do texto. Não tinha lá muitas preocupações estéticas. Portanto, era uma perda de tempo insistir nessa idéia – pensava – além de ser uma atitude arrogante e pretensiosa. Ser escritor... imagine. E, então procurou conduzir sua vida sem exercitar a atividade de escrever contentando-se em saborear o prazer literário apenas como leitor.
Tinha uma obsessiva atração pelos livros e os compraria todos os dias se dinheiro tivesse para tanto e se dispusesse de tempo para lê-los. Facilmente perdia a noção do tempo quando entrava numa livraria. Se comportava como uma criança solta num festival de sorvete. Passava horas pesquisando os títulos, folheando páginas, sentindo o cheiro, a textura, lendo “orelhas”, prefácios, introduções e inebriava-se com o cheiro e a magia da página impressa.
Entretanto, lá no fundo de sua alma ressoava insistente uma paixão pela atividade literária não só como leitor, mas como possível produtor de literatura. Esse impulso bateu novamente à sua porta, desafiador e dolorido como uma ânsia de morte. “A minha vocação essencial está intimamente vinculada ao exercício da palavra, seja falada ou escrita”, ponderava consigo mesmo.
Então se pôs a caminho fazendo tentativas de escrever, numa espécie de exercício. Sua expectativa era que quando se dispusesse a escrever, as idéias fluiriam aos borbotões carregadas de sentimento, emoção, verossimilhança, bem construídas e esteticamente apreciáveis. Quanta ilusão.
Às vezes sentia uma dor na alma e tentava expor isso, mas ficava imóvel diante do papel em branco sem conseguir as palavras adequadas. Era como se houvesse uma ferida na qual tinha medo de tocar. Por vezes, contudo, em momentos raros as idéias vinham em forma de textos quase prontos cujo trabalho era somente fazer a transcrição para o papel.
Resolveu parar tudo e ouvir as lições de Rainer Maria Rilke: “Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Só existe um meio. Vá para dentro de você mesmo. Descubra o motivo que lhe pede que escreva (...).”