UM SUSTO DO ALÉM*

 
               Eu nunca havia visto uma defunta maquiada. Ela era a primeira. Por isso, impressionou-me a sua beleza serena. Uma moça linda. Tão jovem ainda e perdera a vida por negar-se a “transar” com seu cunhado. O crime chocou pela frieza com que foi executado. Seu corpo estava sendo velado próximo da minha casa. Como sempre gostei de velórios, passei o dia por lá. Não conhecia ninguém de sua família. Mas era amiga do pessoal da casa onde ela estava sendo velada. 

               Enterraram-na.


               Alguns dias após sua morte foi pedido a exumação de seu corpo. O seu algoz, disse, em depoimento, que já mantinha um relacionamento com ela há muito tempo, e que a matou porque ela estava saindo com outro. Para mim foi um choque. Nunca havia escutado falar em “desenterrar” defunto, muito menos para fazer exame.


               Feita a exumação constatou-se a pureza da vítima. Mais um agravante para o assassino. E eu vivia impressionada com essa história que, aos poucos, começou a misturar-se com outra um pouco mais antiga, de uma mulher grávida, morta por seu amante. 


               Para esta mulher – morta quando estava grávida –, foi construída uma capela no local do crime, e depois disso, começaram a surgir boatos que ela fazia milagres. Principalmente, relacionados a amores impossíveis. Passei a rezar todas às noites para a alma da finada Raimunda (era este o nome da grávida morta pelo amante), mas quando eu rezava para a finada Raimunda, o rosto que eu via era o da moça morta pelo cunhado. 


               Mesmo assim continuava rezando. 


               Uma noite, três ou quatro anos depois, tive um sonho assustador. Eu estava à beira da cova da finada Raimunda e, enquanto algumas pessoas jogavam terra sobre o caixão, eu olhava bem nos olhos da morta, e neste momento era a defunta maquiada que eu via, e dizia: você é feia, horrível. Ela me olhava e então, de repente, a terra começava a me “engolir”. Quanto mais eu tentava sair, mais afundava. E eu continuava gritando: você é feia, você é feia... 


               O mais estranho é que sabia que quem estava na cova era a finada Raimunda, mas via a moça maquiada, enquanto era tomada pela sensação de estar gritando comigo mesma. Eu estava naquele túmulo! Mas também estava gritando fora dele. E elas estavam lá. Como? Não sei.


               Quando acordei estava molhada de suor e, ao meu lado, Tia Mundinha (nesta época meus pais moravam na zona rural e eu passava a semana em casa de uma amiga da família) estava segurando minha mão e perguntando o que estava acontecendo. Quando a olhei comecei a chorar, ao mesmo tempo em que tremia tanto, que não conseguia falar. Ela fez uma “garapa” (água com açúcar), e aos poucos eu fui me acalmando. 


               Tia Mundinha me perguntou o que estava acontecendo, e eu contei o meu sonho. Ela disse ter acordado com meus gritos, chamando alguém de feia! E pensou que eu estivesse brigando com uma de suas filhas. 


               Depois me explicou que quem reza para as almas não pode deixar de rezar nenhuma noite, porque senão elas vêm cobrar as rezas. Mandou que eu acendesse uma vela, fora de casa, pois vela para defunto não pode ser acesa dentro de casa, e fosse, no dia seguinte, a igreja para o padre me “desobrigar” de rezar para as almas, caso contrário, elas não me deixariam em paz.

Fiz tudo como ela mandou. E, mesmo o padre não concordando com a versão dela, e afirmando que tudo não passara de um sonho, eu nunca mais rezei para as almas: só quando vou à missa ou ao cemitério. 

               E quando quero falar com os mortos – e agora só com os que conheci em vida–, falo como se estivesse conversando com eles em vida. Deus me livre de outro susto daqueles! 

 

*Da Série: Das Coisas Estranhas que aconteceram comigo.




 
Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 06/09/2009
Reeditado em 06/09/2009
Código do texto: T1795249
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