Rede, sonho e um poema
1. Não troco uma redinha pela melhor das camas. Estou viajando para a Europa, e já me preocupa a certeza de que, nos hotéis de Viena e Praga, não vou encontrá-las, pelo menos para um pequeno e apressado repouso, depois de algumas doses. Estarei privado do seu uso durante aproximadamente um mês.
2. No meu apartamento, decorando-o, tenho três coloridas redes que mandei armar em pontos estratégicos. Elas se tornaram uma atração pra quem me visita.
3. Nada mais aconchegante do que uma redinha nordestina! Não sabem o que estão perdendo aqueles que a ela ainda não se afeiçoaram.
O seu balanço - pra lá e pra cá - embriaga fácil e é chamadouro de reconciliadores sonos. E se por acaso alguém ajuda nesse seu vaivém, cantando cantigas de ninar, o sono pega rápido e logo se torna profundo.
4. Fazer amor na rede, ao contrário do que muitos pensam, é muito legal! Na rede se dá a junção impenetrável de dois corpos, que se abraçam num espetáculo de prazer maravilhoso e incontido...
Este escriba - revelaram-me meus pais - foi "feito" numa redinha, "no limiar de uma cálida madrugada cearense". Observem a sutileza do detalhe: "...no limiar de uma cálida madrugada cearense".
5. Uma pequenina rede branca, com varandas largas e bordadas, foi o meu berço de recém-nascido.
Eu ainda cheguei a conhecê-la. Ela esteve guardada por muitos anos e era exibida para confirmar (desejo dos meus pais) onde havia dormido, nos seus primeiros instantes de vida, o seu primogênito.
Coisas que cercam o primeiro filho, sem dúvida o legítimo produto do entusiasmo candente e triunfante de um casal recém-casado.
6. Benditos, pois, os nossos índios que nos legaram a rede. E viva Pero Vaz de Caminha, o primeiro a escrever a palavra rede em português, na sua minuciosa carta à Coroa de Portugal, falando sobre o Brasil recém-descoberto.
7. Comecei a bolar esta crônica quando, após o almoço, surpreendi-me esparramado na minha rede branca e confortável, a caminho da sesta reparadora.
Adormeci. E durante o sono, tive um encontro com Casimiro de Abreu! E ouvi o poeta de "Meus oito anos" recitando este seu poema:
NA REDE
Nas horas ardentes do pino do dia
Aos bosques corri;
E qual linda imagem dos castos amores,
Dormindo e sonhando cercada de flores
Nos bosques eu vi!
Dormia deitada na rede de penas
- O céu por dossel,
De leve embalada no quieto balanço
Qual nauta cismando num lago bem manso
Num leve batel!
Dormia e sonhava - no rosto serena
Qual um serafim;
Os cílios pendidos nos olhos tão belos,
E a brisa brincando nos soltos cabelos
De fino cetim!
Dormia e sonhava - formosa embebida
No doce sonhar,
E doce e sereno num mágico anseio
Debaixo das roupas batia-lhe o seio
No seu palpitar!
Dormia e sonhava - a boca entreaberta
O lábio a sorrir,
No peito cruzado os braços dormentes,
Compridos e lisos quais brancas serpentes
No colo a dormir!
Dormia e sonhava - no sonho de amores.
Chamava por mim,
E a voz suspirosa nos lábios morria
Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia
De algum bandolim!
Dormia e sonhava - de manso cheguei-me
Sem leve rumor;
Pendi-me tremendo e qual fraco vagido,
Qual sopro da brisa, baixinho ao ouvido
Falei-lhe de amor!
Ao hálito ardente o peito palpita...
Mas sem despertar;
E como nas ânsias dum sonho que é lindo,
A virgem na REDE corando e sorrindo...
Beijou-me - a sonhar!
8. Acordei olhando para o mar que diante de meus olhos, ainda sonolentos, se mostrava murmurante e arrebatador.
Alguém que zelara pela minha sesta, horas depois, confessou-me que eu acordara dizendo, aos quatro ventos que, até dormindo, vale a pena ser romântico; e de preferência numa redinha como a minha...
1. Não troco uma redinha pela melhor das camas. Estou viajando para a Europa, e já me preocupa a certeza de que, nos hotéis de Viena e Praga, não vou encontrá-las, pelo menos para um pequeno e apressado repouso, depois de algumas doses. Estarei privado do seu uso durante aproximadamente um mês.
2. No meu apartamento, decorando-o, tenho três coloridas redes que mandei armar em pontos estratégicos. Elas se tornaram uma atração pra quem me visita.
3. Nada mais aconchegante do que uma redinha nordestina! Não sabem o que estão perdendo aqueles que a ela ainda não se afeiçoaram.
O seu balanço - pra lá e pra cá - embriaga fácil e é chamadouro de reconciliadores sonos. E se por acaso alguém ajuda nesse seu vaivém, cantando cantigas de ninar, o sono pega rápido e logo se torna profundo.
4. Fazer amor na rede, ao contrário do que muitos pensam, é muito legal! Na rede se dá a junção impenetrável de dois corpos, que se abraçam num espetáculo de prazer maravilhoso e incontido...
Este escriba - revelaram-me meus pais - foi "feito" numa redinha, "no limiar de uma cálida madrugada cearense". Observem a sutileza do detalhe: "...no limiar de uma cálida madrugada cearense".
5. Uma pequenina rede branca, com varandas largas e bordadas, foi o meu berço de recém-nascido.
Eu ainda cheguei a conhecê-la. Ela esteve guardada por muitos anos e era exibida para confirmar (desejo dos meus pais) onde havia dormido, nos seus primeiros instantes de vida, o seu primogênito.
Coisas que cercam o primeiro filho, sem dúvida o legítimo produto do entusiasmo candente e triunfante de um casal recém-casado.
6. Benditos, pois, os nossos índios que nos legaram a rede. E viva Pero Vaz de Caminha, o primeiro a escrever a palavra rede em português, na sua minuciosa carta à Coroa de Portugal, falando sobre o Brasil recém-descoberto.
7. Comecei a bolar esta crônica quando, após o almoço, surpreendi-me esparramado na minha rede branca e confortável, a caminho da sesta reparadora.
Adormeci. E durante o sono, tive um encontro com Casimiro de Abreu! E ouvi o poeta de "Meus oito anos" recitando este seu poema:
NA REDE
Nas horas ardentes do pino do dia
Aos bosques corri;
E qual linda imagem dos castos amores,
Dormindo e sonhando cercada de flores
Nos bosques eu vi!
Dormia deitada na rede de penas
- O céu por dossel,
De leve embalada no quieto balanço
Qual nauta cismando num lago bem manso
Num leve batel!
Dormia e sonhava - no rosto serena
Qual um serafim;
Os cílios pendidos nos olhos tão belos,
E a brisa brincando nos soltos cabelos
De fino cetim!
Dormia e sonhava - formosa embebida
No doce sonhar,
E doce e sereno num mágico anseio
Debaixo das roupas batia-lhe o seio
No seu palpitar!
Dormia e sonhava - a boca entreaberta
O lábio a sorrir,
No peito cruzado os braços dormentes,
Compridos e lisos quais brancas serpentes
No colo a dormir!
Dormia e sonhava - no sonho de amores.
Chamava por mim,
E a voz suspirosa nos lábios morria
Tão terna e tão meiga qual vaga harmonia
De algum bandolim!
Dormia e sonhava - de manso cheguei-me
Sem leve rumor;
Pendi-me tremendo e qual fraco vagido,
Qual sopro da brisa, baixinho ao ouvido
Falei-lhe de amor!
Ao hálito ardente o peito palpita...
Mas sem despertar;
E como nas ânsias dum sonho que é lindo,
A virgem na REDE corando e sorrindo...
Beijou-me - a sonhar!
8. Acordei olhando para o mar que diante de meus olhos, ainda sonolentos, se mostrava murmurante e arrebatador.
Alguém que zelara pela minha sesta, horas depois, confessou-me que eu acordara dizendo, aos quatro ventos que, até dormindo, vale a pena ser romântico; e de preferência numa redinha como a minha...