Emoções não recicláveis
Nosso tempo é marcado, dentre outras coisas, pela tomada de consciência ambiental e, atualmente, já é senso comum o quanto é imperioso o estímulo à coleta seletiva de materiais recicláveis. Hoje, as crianças já aprendem desde cedo que lixo orgânico pode ser reaproveitado como adubo ou combustível, bem como que, papéis, vidros e metais podem ser reaproveitados por reciclagem. Entretanto, também já está patente que alguns materiais, além de não serem passíveis de reciclagem, têm um período de decomposição que pode ser de centenas de anos, como o plástico, ou até ser totalmente indeterminado, como a borracha.
Durante um bom tempo, sempre quis acreditar que frustrações também geram sentimentos recicláveis. Algumas tristezas, depois de algum tempo, por algum processo natural acabam servindo como adubo ou combustível para atitudes produtivas e positivas. Outras tantas alegrias e venturas descartadas ou despedaçadas num momento qualquer da vida, podem ser, com algum tempo e trabalho, recolhidas e reprocessadas para ganharem vida nova em outras circunstâncias.
Contudo, conforme a vida caminha, noto que minha analogia vai mais longe do que eu imaginava. Afinal, há certas mágoas e desenganos que não se prestam à reciclagem e, pior, têm um tempo de decomposição natural de algumas centenas, quiçá milhares, de anos. Elas só podem ser identificadas, recolhidas e enterradas como um lixo inútil e nocivo. Uma parte do coração está predestinada a ser esse depósito de resíduos emocionais não reutilizáveis. Lá hão de ficar, por um tempo que ultrapassa o limite da vida humana, as lembranças amargas que não se consegue esquecer.