Fazendo as malas
 
Estou fazendo as malas. Vou viajar, é óbvio. Ninguém faz as malas para ficar em casa. A menos que os armários estejam com carunchos. Meu quarto está uma babel. Malas no chão, sapatos escolhidos e separados, compras feitas não desembrulhadas. Um tênis. Comprei um tênis modernoso. Com uma coisa no solado, que esqueci o nome. Parece que é gel. Acho esses tênis horrorosos, mas me aconselharam. Vou andar muito, preciso de conforto. Andando com ele, na loja, parecia que eu estava com asas. Tenho uma certa fama nesse quesito de malas. Entre as pessoas que conheço sou a mais capaz de fazer malas resumidas. Mas desta vez está complicado. Três semanas é muito tempo. Muito tempo para ficar fora de casa, deixar meus dois empregos por conta de outros, ficar longe de tudo que amo. Sinto um frio no estômago pensando nisso. Sei que vou gostar muito, depois que estiver lá. Mas enquanto ainda estou aqui é aqui que quero ficar. O que detesto não é viajar. É o período de trânsito. Mas para comer o abacaxi é preciso descascá-lo.
Não me preocupa como vão cuidar das minhas coisas. Provavelmente cuidarão melhor do que eu. Não sou daquelas que pensam que são insubstituíveis. Por isso não me preocupa se vão ou não descobrir que eu não sou. O que me preocupa é ter que colocar tudo do meu jeito outra vez quando voltar. Porque cada um tem seu jeito de fazer as coisas. Mas só penso nisso agora. Quando estiver lá, esqueço. E me divirto. Sou boba, me divirto com tudo.
Estou indo viajar com meu irmão. Dudu, meu irmão é deficiente visual, mas é bem mais esperto do que eu. Fazemos uma dupla e tanto, o cego conduzindo a lerda. Uma vez estávamos em Porto Alegre e ele falando comigo. Isso é ele que conta: De repente, ela sumiu. Aí eu percebi que tinha alguém catando alguém do chão. Pensei que ela é que estivesse ajudando alguém... mas que ilusão! Ela estava era caída no chão. Mas a gente bem que se diverte! O caso é que ele me disse: Vamos viajar?Eu concordei e ele organizou tudo. Escolheu o roteiro, comprou as passagens e isso mais aquilo. Esta semana resolvi dar uma conferida. Santo Deus, quase caí dura para trás: nós vamos fazer é um verdadeiro rudi muvi. Se eu não dormir no ônibus vou conhecer um mundo de paisagens. Porque avião vai ser só para ir e para voltar. Espero que ele chegue, lá e aqui. O avião.
 
O Dudu é ótimo. Todo mundo gosta dele. Igualzinho a todos os homens do mundo: mandão, pão duro, fala só pelo prazer de ouvir a própria voz e a gente só tem que concordar. Teve o desplante de dizer: não precisa levar nem bolsa, você vai perder mesmo. Eu cuido de tudo. Imaginem, uma mulher sem bolsa! Eu finjo que concordo com tudo, mas faço do meu jeito, que sempre fiz como quis. Mas temos muitas coisas em comum. Mais que irmãos, somos amigos. Gostamos das mesmas coisas, sejam elas simples ou complexas. Só que para ele, tão jovem, o tempo urge. Ele tem uma sofreguidão para fazer as coisas, incluindo viajar, porque a sabe que a pouca luz que ilumina sua vida vai acabar de vez. Eu não. Não tenho pressa para nada porque sei que o meu mundo é a eternidade. Preferia ir a um lugar só, enquanto ele quer ver tudo. Posso voltar depois eu penso, talvez quando o mundo estiver um pouco melhor, daqui até qualquer ponto da  eternidade é um passo.
 
O que me aborrece um pouco é que não vou ter tempo para escrever. Juntar palavras e transformá-las em comunicação é fundamental para mim. Eu me comunico comigo mesma através da escrita, mas não gosto de escrever o tal do manuscrito. Desde que puseram um teclado em minhas mãos puseram também o caminho para o paraíso. E não vou levar meu laptop colorido. Então, só farei ligeiros apontamentos. Mas acho que vai ser bom. Mesmo as virtudes precisam de descanso de vez em quando. Porque escrever não é vício. Escrever é minha virtude.Vício é jogar paciência no micro.
 
Se penso coisas ruins? Penso sim. Aviões caem, ônibus batem, tanto aqui quanto lá. Tenho dois amigos que foram passear e voltaram na horizontal. Mas onde isso acontece não é importante, só é importante para quem fica e tem que resolver o problema. Porque na verdade Ela não me assusta e esses pensamentos nem mesmo são meus são dos que me cercam e tentam impedir a minha saída. Apesar da couraça, de vez em quando eles encontram uma brecha e entram. Aí ficam feito besouros procurando uma saída e a única que existe é a própria entrada.
 
Bem tenho que continuar. A fazer as malas. Levo isso, aquilo não. É a pior parte, o tira e põe. E o esquece. Tem coisas que não posso deixar sobre pena de penar. Tem coisas que vou levar e vai me irritar. Mas no fim vai valer à pena. Porque viajar é tudo aquilo que todo mundo diz e que não preciso repetir de tão lugar comum que é. Mas para mim, viajar é também sempre um tempo para viver comigo mesmo. E às vezes eu me esqueço disso. Então, mãos a obra, Merô me aguarde, aleluia!!!