AEDO CIBERNÉTICO* - ANTES DO VERDE IR MORAR NO DICIONÁRIO
Antigamente, quando o estado era menos laico, tudo que se tinha de reclamação nos diziam para ir reclamar ao Bispo. Hoje, que já conquistamos uma considerável cidadania de consumidores, já se aceitam reclamações nas repartições. Fiquei observando do início ao fim as obras que alteraram a avenida Cristiano Machado, ligando o centro de Belo Horizonte ao Aeroporto de Confins. Chamam-na agora de linha verde. Daí eu pensar que seria algum concreto e asfalto em meio a muito verde.
Esta carta foi inspirada na música Matança e nas obras (horríveis) da linha verde em Belo Horizonte.
Senhor administrador,
O duplo sentido das coisas afaga somente a quem sonha. A realidade costuma ser mais dura ou oposta ao imaginado. Ou então se faz metáfora com segundas (e más) intenções. Estou falando da linha verde, a ligação que vai fazer chegarem depressa os passageiros de avião que usam o aeroporto de Confins, aqui em BH. Sem discutir o mérito econômico da obra, quero falar mesmo é do meu devaneio.
Sinceramente pensei que o nome Linha Verde estivesse relacionado à beleza. Cheguei a imaginar um bulevar. Umas pistas ladeadas de árvores e flores. Um colorido que fosse capaz de prender a atenção dos passantes a ponto de perderem a noção do tempo que irão gastar de suas origens ao aeroporto e descobrirem novas e belas paisagens não vistas quando estivessem voltando para casa. Ou vice-versa. (Pausa: vice-versa continua com hífen, senhor administrador?). E o verde é só para os semáforos?
Você não vai mesmo me dar ouvidos, então deixe-me falar para o povo dessa cidade e para quem nos visita.
Começamos como Curral Del Rei. Convenhamos, curral não é um bom topônimo para servir de morada às pessoas. Ainda mais súditas. Aí, como tudo teve início lá no alto da serra, com uma vista de encher os olhos, decidiram por Belo Horizonte. E aos pouquinhos estão nos tirando o belo. Com tanto cimento, asfalto, prédio e viaduto, onde ficará o horizonte?
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MATANÇA (LETRA E MÚSICA – XANGAI)
Cipó caboclo tá subindo na virola
Chegou a hora do pinheiro balançar
Sentir o cheiro do mato da imburana
Descansar, morrer de sono na sombra da barriguda
De nada vale tanto esforço do meu canto
Pra nosso espanto tanta mata haja vão matar
Tal mata Atlântica e a próxima Amazônica
Arvoredos seculares impossível replantar.
Que triste sina teve cedro nosso primo
Desde de menino que eu nem gosto de falar
Depois de tanto sofrimento seu destino
Virou tamborete, mesa, cadeira, balcão de bar
Quem por acaso ouviu falar da sucupira
Parece até mentira que o jacarandá
Antes de virar poltrona, porta, armário
Mora no dicionário vida eterna milenar.
Quem hoje é vivo corre perigo
E os inimigos do verde da sombra, o ar
Que se respira e a clorofila
Das matas virgens destruídas vão lembrar
Que quando chegar a hora
É certo que não demora
Não chame Nossa Senhora
Só quem pode nos salvar é
Caviúna, cerejeira, baraúna
Imbuia, pau-d'arco, solva
Juazeiro e jatobá
Gonçalo-alves, paraíba, itaúba
Louro, ipê, paracaúba
Peroba, massaranduba
Carvalho, mogno, canela, imbuzeiro
Catuaba, janaúba, aroeira, araribá
Pau-fero, anjico amargoso, gameleira
Andiroba, copaíba, pau-brasil, jequitibá
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* Na antiguidade, como a escrita era pouco desenvolvida, o AEDO cantava as histórias que iam passando de geração para geração, através da música. Depois, veio o seu assemelhado na idade média que era o trovador. Hoje, juntado tudo isso com a tecnologia, criei o AEDO CIBERNÉTICO.