BAILE NOS ANOS 60
Por onde começava ir a um baile nos anos 60? Por enganar os pais, principalmente o pai. Era, no mínimo, uma semana de conversa fiada, de embromação, de tentativas, de promessas e dívidas. Tinha que ter lábia, persistência, ser um pouco política e apresentar boletins escolares totalmente azuis e sem observações negativas de comportamentos. Tinha que ter argumento e ser criativo, inventar histórias de pais liberais e que tudo permitiam às filhas. Estou pensando mais no lado feminino, mas havia exigências para o masculino também.
A segunda etapa era passar a semana sonhando, desde o vestido, sapatos, etc., até os mais lindos rapazes que nos escolheriam para dançar a noite inteira que Deus desse. Principalmente aquele. Aquele em quem o olho já estava mirando. Sonhávamos tudo, dançávamos antes do dia. E, acordadas, treinávamos os passos frente ao espelho com o disco de vinil enfiado na radiola até ficar gago.
Todo dia cobrança. As notas, os livros, as provas, o boletim, o comportamento, ajudar a lavar pratos. E a imaginação aumentando só espuma sobre a pia. Prato quebrado era um ponto a menos. Se chover, não vai. Se for, vai voltar antes das dez. Só vai com acompanhante adulto.
A gente se virando, voando, imaginando. E a hora chegando, os rapazes fazendo a parte do diabo e perguntando: Você vai ao baile? E completavam: Quero dançar com você, não me dê taboca. O coração feito um trem desembestado, o corpo arrepiado, todas as vontades reunidas explodiam os pensamentos. Meninas havia que ficavam com enxaqueca. Outras desmaiavam. Ouvia-se a voz da mãe na cozinha: Histérica! Tem que casar e parir essa menina. Ouvia-se o pai: Eu passo é já a cinturãozada nela, seu namorado é meu cinturão.
Ai, meu Pai do Céu, não vai deixar. Já é amanhã. Chorar de noite na cama. A cama dos pais cantando, disfarçando, pigarreando, tossindo para despistar. E aí é que a curiosidade aumentava, o desejo avançava. Ô inferno! Eu vou fazer isto também, eles vão ver! Vou rezar, pedir a Deus, implorar. Eu suplico, eu prometo, eu juro... Deus, pelo amor de Deus, eu quero ir ao baile.
No dia seguinte o dilema. Os pais mudavam a camisa. O sol a pino e: Vai chover, hoje tem trovoada, vamos dormir cedo. Ninguém sai de casa. Mais choro, calada, pra não piorar a situação. Nossa Senhora, deixe, eu quero ir, eu preciso ir. Tudo preparado e nenhuma certeza, pista de espécie alguma. O telefone toca. Agora é que não vou mesmo. Alô, desculpe, é engano. Era ele, ele, ele. Jesus!
Bem humilde: Pai, deixa? Mãe deixou. Silêncio. Uma espécie de morte. Vou fugir. Naquele tempo namorados fugiam para desafiar os pais intransigentes que viravam avós. Bem empregado. Agora vão mentir pros seus amigos, colegas, parentes.
Às vezes vinha o NÃO, NÃO VAI E PONTO FINAL. Não vamos falar desta parte trágica. Disse sim, de mau gosto.
Vivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa. Sim, sim, sim. Ele deixou! Tome beijo e mais beijo. Pare de beijo, antes que eu mude de ideia.
E o baile! Vamos dançar? As pernas tremendo, tudo tremendo. Não se conseguia controlar tanta emoção. O coração era uma bomba H, a de Hiroshima e Nagasaki. A orquestra abafava tudo. Os passos lutavam para se acertar. E aquele corpo proibido, gostoso. Que perfume! Ai, que delícia! “Que bom que essa música não terminasse jamais.” Sei lá qual a época dessa canção, mas era assim que a gente pensava.
Bom mesmo, o supremo era quando a noite era só nossa e “no mundo não havia mais ninguém”. Podia o mundo se acabar. Quem quisesse morrer, à vontade ficasse, pois o que interesava era aquele momento formidável. Ai que felicidade o rosto colado, o peito arrebentado, o planeta apaixonado. Que camisa! Que príncipe! Meu, todo meu!
Hora de ir, que lástima! Amanhã vai ao colégio? Posso pegar você? E, enfrentando qualquer cinturão, lá vínhamos os dois. Ele segurando os livros. O braço sobre o ombro. E a vontade de o beijo acontecer.