A bicicleta

A bicicleta

O pior de tudo, é que não acreditava em Papai Noel. Se pelo menos acreditasse, meu Natal não seria tão sem perspectivas. As dificuldades eram muitas, e a ânsia de querer, muito grande; compreendia e achava normal, mas, profundamente injusto; depois, passei a entender de modo diferente. Por que meus pais tinham fanatismo por Getulio Vargas? Getulio era ditador desavergonhado, como todos ditadores. Minha mãe me advertia - você nasceu sob o governo Vargas, não pode deixar de prestigiá-lo! As pessoas gostam de ser escravizadas, talvez, pela necessidade de identificação com os escravizadores. Mesmo nas escolas, já se notava discreta discriminação contra crianças pobres; as próprias crianças comentavam a qualidade das merendas.Turma do pão com presunto, pão com ovo, pão com banana, essa dos mais desvalidos. Apesar disso, os pobres podiam estudar em escolas particulares baratas e os diretores de escola tinham comiseração com eles; até certo ponto os protegiam; eu ficava em regime de semi-internato, pra que meus pais pudessem trabalhar com menos preocupações; ia em casa, almoçava e retornava. Se eu ficasse em casa cometia os maiores desatinos, como tomar banho em valões infectos, sumir pelos descampados, subir pelo Corcovado, tão longe de minha casa, sem atentar para os perigos da época. Algumas vezes, não voltava para o colégio; ia para o terminal de hidroaviões na Praça Quinze ou para a Praia das Virtudes, correndo como um louco pelo enrocamento; fazia uma pausa para o café com leite, que tomava no mercado, onde hoje é o Albamar, módulo remanescente do grande mercado da Praça Quinze.A propósito de Papai Noel, teria sido ótimo ganhar a bicicleta com que tanto eu sonhava!