O PEDINTE, O TURISTA E A CORDA DE CARANGUEJO
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Por Carlos Sena


 

Da janela não se esconde o mar. Por ela descortina mistérios que nem os marinheiros conseguem definir, dadas às profundezas de suas águas. Dentro de nós, mesquinhas interfaces nos tiram do sério, mas o mar, em nossa frente, parece nos dizer: "mergulhem em mim", permitam-se às grandezas que os olhos não vêm, mas o espírito sente.

Ignorando nossa solidão, o mar se estabelece único! Ignora nossas dores e na sua vastidão nos estimula ao mergulho: das nossas asperezas, dos nossos desencantos, dos nossos julgamentos, dos nossos preconceitos, das nossas poucas ações solidárias. Ele é único e é um só. Por mais que as praias mudem, por mais que o turismo venda "novos mares" ele é um.

Daqui de cima, pela janela, o MARtírio de mim se estabelece nessas incompreensões que a vida nos dá como prêmio ou como castigo? Se fosse possível entregaria minhas noites mal dormidas, meus pesadelos, meus diazepans, ao primeiro jangadeiro que fosse ao mar. Pediria que ele levasse todos esses "pedaços de mim" na caixinha fechada e depositasse no fundo do oceano pacífico. Por certo querendo pacificar minhas tormentas interiores, meus medos, meus degredos. Ao barqueiro não dizia nada, nem recomendação faria. Apenas que não deixasse ninguém perceber que levaria uma pequena caixa cheia de grandes gargalos, algemas que trancam as possibilidades de ser feliz.
"A vida vai em ondas, feito mar". A vida vem no vento sem parar, enquanto a gente inventa prazeres que nos divertem. Iludir a vida? Parir novos sentimentos? Exaurir-se na boêmia para depois descansar?
Ou morrer de amores para depois amar?

Lá em baixo um homem passa tranqüilo com uma corda de caranguejo para vender. Pés descalçados no calçadão quente, segue firme seu destino em busca de compradores. No final do dia, provavelmente deve ter vendido. Se não, vai tranqüilo pra casa e come, ele próprio, como sua família, a tal corda de caranguejo. Do outro lado está a praia. Turistas aos borbotões com aqueles ares de espanto e cheios de câmeras fotográficas, como que se sentindo no paraíso. De fato, o Nordeste é como se isto fosse, especialmente aqui em Fortaleza, nessa conjugação de sol, sal, mulheres (?) e diversões mil.

Da janela não se esconde o sol: ela não pode ser desculpa para os pedintes e ambulantes que, no calçadão, fazem sua passagem para defender seu "pão" - preço que o capitalismo selvagem finge que não vê.


CARLOS SENA, DOS ARRE(DORES) DE FORTALEZA, NO CEARÁ.