Uma Crônica para Maria Neusa.
 
Hoje, eu estava em uma fila de banco esperando para pagar algumas continhas e como não tinha levado nada para ler, fiquei pensando. Peguei assim um pensamento no ar. Tentei responder a pergunta que me fiz: Terei eu feito a diferença na vida de alguma pessoa? A vida de alguém mudou por minha causa, para o bem ou para o mel? Enquanto esquadrinhava minhas lembranças fui parar no dia do meu enterro. Já lhe falei sobre esse dia, mas caso você tenha esquecido, vou relembrar. Foi em uma dessas oficinas de auto-ajuda ou autoconhecimento, sei lá (Desculpe, mas a questão do hífen ainda não resolvi.Se não estiver certo, leia certo, como boa professora de português que é  ). Fomos para uma fazenda desativada no interior de São Paulo e ali entre pessoas nas mais variadas condições mentais tentamos nos conhecer. Foi tão traumatizante que quando cheguei em casa juntei tudo o que tinha trazido de lá e coloquei fogo. Mas não consegui incendiar as lembranças. E a que veio ao meu pensamento na fila do banco foi exatamente essa: fomos convidados para um passeio. Pediram-nos que nos vestíssemos discretamente, não usássemos pintura. E colocaram vários carros para nos transportar. Em nosso carro, depois soube que em todos, tocava uma música triste, instrumental. Quando os carros pararam, a surpresa. Estávamos frente a um cemitério. Descemos todos e quem nos guiava disse: vocês acabam de acompanhar o seu próprio enterro. Agora entrem, procurem um túmulo e fique junto a ele. Então tentem visualizar quem realmente vai sentir a sua falta. E ali fiquei frente ao túmulo que escolhi e não houve como não entrar no clima. Estavam ali a minha volta às pessoas que eu amava e que eu supunha, me amavam também. Chorando. Mas, um dos guias se encarregou de destruir a minha cena mental. Por a mais b ele ia me provando que nem a, nem b, nem c, sentiriam falta de mim. Desfiei o alfabeto todo, mas no fim terminei sozinha. Ninguém, ninguém mesmo estava se importando comigo. Não posso negar: doeu.Por longo tempo e as vezes doi até hoje quando imagino que minha vida passou em branco.  Foi aí, para me consolar que resolvi fazer um exercício ao contrário. Comecei a pensar nas pessoas que fizeram diferença para mim. As pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram para que eu fosse uma pessoa melhor do que eu sou. Pode acreditar, a lista é longa. Um alfabeto só não é suficiente para listá-las. Conto nos dedos das mãos e dos pés, conto nas estrelas do céu, nas areias da praia. E uma dessas, minha amiga, uma dessas é você.
Sabe que não consigo me lembrar exatamente quando nasceu nossa amizade? Sei que a conheci na sua primeira escola aqui em Lavras, onde fui substituir uma prima, por poucos meses. Na época nosso relacionamento era superficial. Você foi embora e voltou casada e de repente comecei a freqüentar a sua casa. Mas acho que nossa amizade começou lentamente. A princípio você apenas me convidava para aniversários, depois me levou para o Grupo: e aí veio a maratona de acontecimentos- jantares, oficinas de autoconhecimento, sessões de cinema, viagens. E principalmente, anos de terapia em grupo. Tudo isso me ajudou a ser quem sou, uma pessoa muito melhor do que eu era. Portanto, tenha certeza. Você fez muita diferença em minha vida.Na vida de muitas pessoas.
          Agora você vai fazer aniversário. Não estará mais aqui, entre nós. Tem novos amigos na cidade para onde voltou. E ainda por cima está escrevendo para o Recanto, como venho lhe pedindo faz tempo – ou seja, você está me dando um presente.  Estou lhe dando as boas vindas e convidando através desta crônica a todos os meus amigos que lhe façam uma visita. Que certamente você depois vai retribuir.E aí vão ficar seus amigos também porque vão descobrir o quanto é bom ter você como amiga. Alguns até já ouviram falar de você, mesmo sem saber o nome – aqueles que leram Bicho Raro, um conto que escrevi inspirada em e-mail seu. Poderia contar muitas histórias sobre a riqueza de nossa amizade, que se ramificou por toda a sua família. Mas não posso escrever muito. Aqui no Recanto quando a gente escreve muito as pessoas ficam com preguiça e lêem pela metade. Mas não posso deixar de contar um pequeno detalhe – você me convidou para testemunhar a cerimônia do seu divórcio. Você não chorou, mas eu sim. E nessa história só me resta um consolo: eu perdi um casal de amigos, mas ganhei dois amigos individuais da melhor estirpe.
Feliz aniversário minha amiga. Quando, no dia 14, brindar com as pessoas que irão abraçá-la, sinta a minha presença com gratidão.