De como o pensamento volteia no ar.
 
 
Gosto de ficar só ouvindo. Sem falar. Observando. Fecho os olhos e pensam que durmo. Quer que eu repita todas as palavras, ou só o resumo? Pergunto, quando questionada. Desafio. Não é sempre, claro. Na maioria das vezes participo do papo. Mas acho fascinante ficar ouvindo e ver como as conversas volteiam. Começam de um jeito e vão acabar de outro completamente diferente. Sem nenhuma ligação entre o primeiro assunto e o último. Deve ser algo absolutamente comum porque o meu pensamento também começa aqui e vai acabar tão longe que é quase impossível reconstruir o caminho. Imagino que todo mundo pensa assim. Formando caracóis. Labirintos. Para escrever então é preciso muito cuidado. Para não fazer uma verdadeira miscelânea. Vejam por exemplo de onde surgiu a idéia para esta crônica. De outra crônica que li, no Jornal de Todos os Mineiros. O cronista discorre sobre ídolos que temos e as decepções que nos causam. Ídolos são pessoas absolutamente comuns. Muitas vezes, incomuns, mas não pela imagem que vendem. Não pelas máscaras, mas pela cara limpa. Eu não me decepciono com meus ídolos porque não os tenho. Prefiro as pessoas de carne e osso. Mas fico meio abobada quando vejo as pessoas criando mitos em torno de certas pessoas. Isto faz com que eu me lembre de um professor que tive no Ensino Médio. Escola nova, todos esperando a aula do tal professor. Quem o conhecia, dizia. É o melhor que tivemos. É o melhor que vamos ter. Esperei. Quando ele entrou na sala pela primeira vez todos os olhos se fixaram nele. E ele começou a nos contar histórias. Todos fascinados. Eu também. Só que eu estava fascinada com a capacidade que ele tinha para mentir. Toda a sua aula girou em torno de um fato básico que ele contou como se tivesse acontecido com ele. Só que eu tinha lido no jornal da véspera. E não tinha acontecido com ele. Aliás, nem tinha acontecido no Brasil. E quando no final da aula me perguntavam: Gostou? Eu só tive uma palavra como resposta: surpreendente! Que cada um interpretou como quis. Surpreendente também foi a vez em que assisti a uma sessão espírita. Diziam que era uma médium excepcional. Eu até gostei dela porque conversou comigo, já incorporada e me disse: você nasceu para ser feliz! Só isso e eu acreditei nela e sinceramente eu acho que nasci para ser feliz e não sei se foi por causa dela ou de mim mesma que sempre, quando a vida me oferece um limão eu faço dele uma limonada com bastante açúcar. Mas não é sobre isso que escrevo. O que eu achei surpreendente foi quando ela começou a conversar com o próprio marido como se fosse um espírito iluminado dizendo a ele que sempre deveria ouvir a mulher porque ela sempre estava certa. E ele abaixando a cabeça. Concordava. Achei que era muita cara de pau. Mas de cara de pau o mundo anda cheio. Primeiro foi a vidente famosa que eu fui consultar um dia com minha prima: durante a consulta o telefone tocava sem parar ela atendia, desligava e me dizia: é fulano (ator), é sicrano (político) ou é beltrano (empresário). Mas o pior foi quando fui visitar alguém tido como santo por todos, pois a ele recorriam sempre em busca de conselhos. Eu também fui e acho que nem cheguei a falar o que me levou lá: a cada minuto ela, a tal pessoa, se levantava para olhar na janela para ver quem tinha chegado e me contava casos assim: fulano (médico famoso) veio aqui ontem, hoje estou esperando beltrano (advogado famoso) e sicrano (fazendeiro rico) virá aqui amanhã. Se me decepcionaram? Acho que não. Nunca espero muito das pessoas e nem deixo de gostar delas sendo o que são. Mas o bom mesmo é quando a gente tem uma boa surpresa de quem não esperávamos nada. Isso aconteceu com o cigano que apareceu por aqui faz pouco tempo. Ele entrou em minha sala, insignificante, franzino, a boca dourada e acompanhado de uma filha linda. Queria autorização para montar uma barraca na Praça e mostrar sua arte. E antes que eu pudesse falar qualquer coisa me mostrou as leis que protegem as minorias um calhamaço de documentos. O que é que eu podia fazer? Deixei, mas pensando em experiências passadas quando, devido a decisões semelhantes, todo mundo vinha reclamar. Pois não é que a cidade adorou a família cigana? Pai, mãe e duas filhas fizeram a delícia das pessoas que vinham ao banco e dos aposentados que ficam por ali papeando e eu só recebi elogios por ter colocado aquela família maravilhosa na Praça. E mesmo agora, quando cuidamos dos mínimos detalhes para que a Quinta Mostra Cultural de Lavras fosse o sucesso que está sendo, me aparece um mendigo andarilho que se encantou pelos eventos e durante duas noites tornou-se uma atração a parte, animando a platéia, e dançando, dançando como um dançarino profissional. Os próprios artistas se apresentando no palco não conseguiam segurar um sorriso vendo os volteios malabarísticos do indivíduo do qual nem vim a saber o nome mas duvido que vá esquecer. Ontem, ele não apareceu e mais de uma pessoa veio perguntar: Onde está o carinha que estava aqui ontem? Bem, ontem ele não estava lá. Mas a magiadas noites de agosto estava. . Quem quer sentir frio sente, quem quer sentir calor também. E no palco improvisado os artistas lavrenses se apresentam mostrando seus talentos variados. Ontem deveria ter sido mais uma segunda feira preguiçosa, mas não foi. As Meninas Cantoras de Lavras estavam se apresentando e a platéia encantada foi ao delírio. Mas como foi que vim parar aqui? Não era sobre isso que eu estava falando!