Pellegrino

Pellegrino apaixona-se por suas duas abotoaduras, ambas menores de idade. Acusado de incesto duplo, paga a fiança lendo em voz alta ( com som de barítono) todo o catálogo telefônico do céu de trás para a frente sem gaguejar ou respirar e ao deparar com nomes bíblicos ou judaicos citava-os sem sotaque ( e não poderia cumprir a pena quando estivesse rouco ou gripado). Como réu primário, Pellegrino poderia, no entanto, ler apenas metade do catálogo telefônico do céu (edição de bolso) citando nomes bíblicos ou judaicos em voz baixa, mas com contrição. Era uma triste manhã de inverno e as bolsas de valores estavam em alta.

Pellegrino, inconformado, apela e sofre nova derrota: além da íntegra do catálogo telefônico ( em braile e edição bilingüe) deveria ler agora toda a enciclopédia Delta Larousse, edição revista e ampliada, com um longo apêndice em mongol antigo, sem piscar os olhos ou bochechar ou mesmo tossir e citar ( sem ironia) todos os nomes judaicos ou bíblicos em ordem cronológica de nascimento (e nomes romanos deveriam ser ditos com extremo sarcasmo). Pior: é condenado sadicamente a cochilar e a bocejar ao lado da mulher do seu vizinho do 3º. andar (e não poderia sonhar ou balbuciar muxoxos ao acordar) e nem poderia mais cumprimentar efusivamente o seu vizinho com um simples “Alô!”. Mais: deveria realizar faxina no céu toda semana, inclusive aos domingos, sem um único desinfetante ( verdade que Pellegrino desconsiderou a sentença: durante um ano pagou religiosamente as contas de gás e luz do céu, antes do vencimento. Foi além: pagava também as gorjetas do zelador e da arrumadeira do céu. Cogitou também em saldar o IPTU mas seria uma exorbitância)

Pellegrino, muito revoltado, recorre a instância superior e novamente perde: além das penas anteriores – leves e suaves - é condenado pelo tribunal a caminhar com os dois pés no chão pelo resto de sua vida. Um dos juizes – o mais rigoroso – condena-o a respirar diariamente utilizando o pulmão do seu melhor amigo! O juiz, muito irado, ainda chega a condená-lo a 1/6 de prisão perpétua ( e como neste dia estava de mau humor, aumenta a pena ainda mais: prisão perpétua in totum, acrescidos de dois dias e meio por “ostentar face de sofrimento inaceitável no tribunal”) mas, felizmente, o juiz foi voto vencido.

afontoura
Enviado por afontoura em 30/07/2009
Código do texto: T1727409