DUAS DISTÂNCIAS
Outro dia foi surpreendido por uma ligação de uma amiga da cidade de Piracanjuba, a capital goiana das orquídeas. Chama-se Adriana e fazia tempos que não nos falávamos. Conhecemos-nos há dois anos e nunca nos vimos pessoalmente. Nunca a vi nem por fotografia. A nossa amizade é fruto da internet, esse monstro que promove encontros e desencontros.
Adriana tem a minha idade e faz faculdade de História. Não tem pai nem mãe. Mora com uma irmã em Piracanjuba. É uma pessoa insegura, que se defende do mundo criando muros ao redor do seu coração. Um dia ela disse que eu era seu psicólogo. Um profissional barato, já que o único custo para ela seria o cartão telefônico. O meu maior conselho medicinal para a minha sofrida e única paciente é trocar imediatamente de psicológo. A minha maior contribuição à Psicologia mundial foi ter trocado meus quarenta livros da disciplina por romances de Milan Kundera e poemas de Carlos Drummond de Andrade.
Confesso que o meu forte não é ser um bom conselheiro. Não me sinto confortável interferindo do curso da vida das pessoas. Interferir com conselhos na vida de alguém é o mesmo que desviar o leito de um rio. Podem me acusar de medroso, mas jamais poderão me responsabilizar por grandes tragédias sentimentais. Meu crime favorito é o da omissão.
Acompanho de longe a vida de Adriana, como quem lê um livro, quando o escritor ainda o está fazendo e pede a sua opinião. Não a dou. Ofereço no máximo a minha compreensão e o meu apoio em forma de observador. Sou um tímido observador de almas aflitas.
Adriana é um ser humano que se priva de grandes prazeres para evitar grandes decepções. Parece que seu crime favorito também é a omissão. Depois da minha modesta amizade passou a acreditar em Deus e arranjou um namorado. Não atribuo a mim essas incursões em sua vida, mas confesso que torci para que essas duas dádivas percorressem os frios jardins de seu coração.
Mesmo sendo um péssimo dublê de psicólogo, talvez um candidato ao charlatanismo, este que vergonhosamente vos escreve, trouxe um pouco de luz à vida dessa desgarrada menina. Fiquei triste porque ela me ligou para desabafar da sua infelicidade no amor, da sua descrença na harmonia dos relacionamentos. Logo para mim, que acredito ter encontrado aquela que aplacou meus medos e expulsou meus fantasmas. Aquela que me fez sonhar com outro mundo, onde somos reis e rainhas e decretamos apenas que temos direito e dever à felicidade. E que homens e borboletas partilharão segredos. Ela me felicitou pelo casamento, e ao meu convite para testemunhar meu calvário de glória, disse um talvez elegante, como se algo em si estivesse dizendo adeus a todas as festas de casamento do mundo.
Talvez ela veja em mim apenas um distraído amigo distante, que não se lembra de telefonar nunca e sempre tem uma desculpa criativa. O que ela nem desconfia é que reside em mim o amigo silencioso e calmo que voltou a acreditar em castelos e fadas, e torce desesperadamente para que num dia triste e nublado apareça na distante Piracanjuba um simpático príncipe e a convide a passear em seu cavalo por um imaginário bosque. O bosque dos que um dia por acaso, voltaram a crer que a felicidade pode ser mais que uma chama.