A Lua de Papel








Gosto de escrever resenhas sobre livros. Sem nenhum intuito técnico e sem nenhuma pretensão literária a razão pela qual escrevo resenhas é apenas para deixar marcada para mim mesma a impressão que o livro me causou. Mas nem sempre a impressão pode ser transmitida por uma resenha. Muitas vezes escrevo apenas sobre um determinado fato que me faz lembrar outro fato. Este livro, que acabei de ler hoje, já fez com que eu escrevesse uma crônica (Obsessão) sobre um pensamento intrometido e agora me faz escrever outra. O livro é A Lua de Papel de Andrea Camilleri, escritor italiano de literatura policial. Tenho vários livros dele e esse, A Lua de Papel chamou a minha atenção por causa do título. Achei bonito. Passei o livro todo tentando descobrir a razão do título e ela só foi revelada quando faltavam cinco páginas para acabar. Salvo Montalvano, o protagonista, comissário de polícia, relembra quando em sua infância o pai, em quem confiava acima de todas as coisas lhe dissera que a lua era feita de papel. A decepção foi tão grande que agora, ao descobrir que fora enganado completamente por duas mulheres em quem realmente havia acreditado retoma a dor infantil, agora expressa pela raiva, muita raiva. Fiquei pensando nas mentiras que me contaram quando eu era criança e percebi o quanto os pais, avós e tios, as pessoas que são inicialmente destinadas a formar nossas cabeças nos impingem coisas ridículas como essa. A mim nunca disseram que a lua era feita de papel, mas sim de queijo mineiro. Disseram também que São Jorge morava na lua, que se eu atravessasse debaixo do arco íris viraria homem, que se conseguisse chegar até o começo dele encontraria um tesouro em jóias e moedas de ouro, que trovões era São Pedro arrastando os móveis do céu, que a cegonha trazia bebês, que o Papai Noel existia. Não me lembro se acreditei muito tempo nessas histórias porque nunca fui muito de acreditar, mas se acreditei a mim não fizeram mal, pelo contrário, desenvolveram meu espírito criativo, sempre pronto a encontrar uma historinha para justificar o que eu não compreendia. Acho que sempre levei isso na brincadeira, sem considerar como mentiras, mas sim fantasias porque sempre gostei de inventar histórias e de histórias inventadas, mas se existe uma coisa que eu detesto e não consigo aceitar é a mentira. O que acaba sendo uma contradição. Não consigo conviver com o mentiroso e tenho uma habilidade especial para perceber a mentira quando ela é contada. Daí compreender perfeitamente o personagem do livro quando ao perceber que acreditou em algo tão absurdo que só poderia ser mentira se sente uma criança desamparada, lesada, mais uma vez enganada pelo pai.   Uma vez eu li uma historinha que não sei se verdadeira ou não, mas da qual nunca me esqueci e sempre que alguém me conta algo com aparência de verdade, mas que logo é desmentida me lembro dela. Conta-se que São Tomás de Aquino, quando ainda não era santo, mas se fazia, caminhava pelo pátio do convento com seus irmãos de congregação. De repente um deles olhou para o céu e disse: Olha, um boi voando! Tomás olhou e o outro, rindo, disse: Como acreditou nisso? O futuro santo respondeu calmamente: Prefiro mil vezes acreditar que um boi voa do que acreditar que um frade minta. E é assim que me sinto quando um amigo mente para mim. Prefiro acreditar que a mentira é uma verdade do que ser enganada por um amigo.