O assobiador
Noite quente de verão, quase outono, a chuva se anunciando, indecisa se cai ou se vai em busca de outro lugar para molhar a terra. Não, ela não vai cair mais. Nenhum raio ou trovão. Fecho o livro e o coloco na mesa de cabeceira e fico ouvindo os sons da noite. Sons? Fora o tique taque do relógio na sala de jantar nada mais ouço. Apuro os ouvidos. Deve haver algum outro som e preciso captá-lo no silêncio. Mas nada. Nenhum carro passa mais na rua, nenhum passo apressado, nem mesmo um cão vadio ou um gato esfomeado. Só o tique taque e o silêncio. De repente um galo canta. É um canto pungente, dolorido, que me faz lembrar outras noites, outras terras. Ele insiste, mas ninguém responde, nenhum outro de sua espécie se encontra no raio de seu canto. Então desiste e o silêncio volta absoluto. E eu fico a espera que alguma coisa aconteça. Estou parada na noite na noite estática e nem mesmo consigo pensar. E então outra vez, um som se eleva acima do barulho do relógio fazendo-o desaparecer completamente. Um homem assobia. Um homem assobia na noite. Sozinho. Não consigo localizar a direção de onde o assobio vem. É uma música antiga que alguém está a assobiar então não deve ser um jovem. É uma música mais antiga que eu e que por sua beleza quase se tornou atemporal. Não me lembro de seu nome, mas me lembro de meu pai cantarolando essa canção enquanto tocava o seu violão. E o assobio entrava em meu coração como um som vindo do além, uma cantiga de ninar atravessando os tempos e embalando a criança cheia de esperança que eu estava sentindo em mim. Sim, a criança veio e se preparava para dormir e então o som desapareceu, assim como veio, sem nenhum aviso que preparasse o meu coração. E assim como o assobio desapareceu na noite dos tempos a menina que tinha revivido voltou a ser uma lembrança esmaecida.
(De trás para frente ou de frente para trás, tanto faz, faça como lhe apraz. - livro inédito)
Noite quente de verão, quase outono, a chuva se anunciando, indecisa se cai ou se vai em busca de outro lugar para molhar a terra. Não, ela não vai cair mais. Nenhum raio ou trovão. Fecho o livro e o coloco na mesa de cabeceira e fico ouvindo os sons da noite. Sons? Fora o tique taque do relógio na sala de jantar nada mais ouço. Apuro os ouvidos. Deve haver algum outro som e preciso captá-lo no silêncio. Mas nada. Nenhum carro passa mais na rua, nenhum passo apressado, nem mesmo um cão vadio ou um gato esfomeado. Só o tique taque e o silêncio. De repente um galo canta. É um canto pungente, dolorido, que me faz lembrar outras noites, outras terras. Ele insiste, mas ninguém responde, nenhum outro de sua espécie se encontra no raio de seu canto. Então desiste e o silêncio volta absoluto. E eu fico a espera que alguma coisa aconteça. Estou parada na noite na noite estática e nem mesmo consigo pensar. E então outra vez, um som se eleva acima do barulho do relógio fazendo-o desaparecer completamente. Um homem assobia. Um homem assobia na noite. Sozinho. Não consigo localizar a direção de onde o assobio vem. É uma música antiga que alguém está a assobiar então não deve ser um jovem. É uma música mais antiga que eu e que por sua beleza quase se tornou atemporal. Não me lembro de seu nome, mas me lembro de meu pai cantarolando essa canção enquanto tocava o seu violão. E o assobio entrava em meu coração como um som vindo do além, uma cantiga de ninar atravessando os tempos e embalando a criança cheia de esperança que eu estava sentindo em mim. Sim, a criança veio e se preparava para dormir e então o som desapareceu, assim como veio, sem nenhum aviso que preparasse o meu coração. E assim como o assobio desapareceu na noite dos tempos a menina que tinha revivido voltou a ser uma lembrança esmaecida.
(De trás para frente ou de frente para trás, tanto faz, faça como lhe apraz. - livro inédito)