CASTELO DE CARTAS






Imagino a cena. Uma brincadeira com um castelo de cartas.


Há uma fase, no desenvolvimento da personalidade da criança, que ela simplesmente não se importa em se desfazer de algo.



Aquela construção, cuidadosamente elaborada para entretê-la, passa, no instante seguinte, a não significar coisa alguma. Não há valor além do "aqui e agora" da experiência.


E por isso, o guri, que olhava encantado para os movimentos das mãos que desenhavam o castelo no ar, em um só gesto, derruba as cartas que se esparramam pelo chão.


A característica desta fase do desenvolvimento da criança me levou a refletir sobre algumas nuances do desapego.


O elo do sentido que parece libertar muitas pessoas do sofrimento por suas perdas, através da consciência de que tudo nesta vida é impermanente, ou seja, transitório.


Até que ponto a dor passaria pela maior (ou menor) aceitação desta possibilidade de ver o castelo desabar, sem com isso ruir junto com ele?


Este é outro tema delicado e muitas vezes, sinto que cada frase é escrita em terreno minado ou quem sabe, areia movediça? Como se a cada parágrafo um pensamento pudesse derrubar o outro na tentativa tola de frear o confronto com lacunas ou vazios da alma.


Entretanto, não há como escapar das perdas, a menos que a pessoa se refugie na loucura ou permaneça "inconsciente", numa espécie de "coma racional" .



E do castelo de cartas na infância, meu pensamento voa para longe. Lembro de um texto que falava de exercícios que os monges budistas praticam como forma de aprendizado destas questões que envolvem o desapego e a transitoriedade da vida.


Esta prática consistiria na construção de belíssimos desenhos em mosaico. Pedras minúsculas e coloridas reunidas, dia após dia, para no final da obra, um superior desmanchar todo trabalho.



O valor estaria na experiência em si? Uma vez que na vida tudo muda?

 

Assim como a criança, em determinado estágio do seu desenvolvimento, usufrui o momento lúdico e segue desprendida depois dele, livre, leve e solta, como se fosse possível um mundo sem memória e sem desejo?



Não pretendo, nem estou capacitada a responder coisa alguma.


Deixo meu pensamento flutuar sobre as idéias. Por enquanto é este o meu foco: assim como aquele guri olha encantado o castelo de cartas ser erguido para, em seguida, nem se lembrar mais dele ou de alguns dos meus jardins de mosaico colorido desfeitos.







(*) Imagem: Google

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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 10/06/2009
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