A GUERRA DA MACONHA
No início da década dos anos 80, no período da ditadura militar, em que o nível de violência nas estatíscas do subúrbio era inexistente, lecionava em um imenso colégio de Periperi, subúrbio da capital baiana.
No colégio denominado Centro Educacional de Periperi, chamado vulgarmente pela população local e pelos estudantes de "O Comercial", situado à rua Barbosa Romeu S/Nº, era um estabelecimeno comunitário filiado a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade - CNEC, entidade filantrópica sem fins lucrativos, com representação nacional em Brasília.
A estrutura arquitetônica da escola abrangia cerca de 65 salas de aulas - cada uma com capacidade para acomodar 50 alunos. Dois auditórios - um para acomodar 350 pessoas e o outro para 800 pessoas. Quatro quadras de esportes. Um refeitório - com capacidade para atender 400 pessoas. Um estádio - para acomodar 1.000 pessoas. Uma carpintaria - onde se fabricavam móveis para o colégio, instrumentos de madeira para aulas de desenhos geométricos (compassos, esquadros, réguas e transferidores, apagadores para quadro de giz, etc. Um museu de ciências naturais - com um laboratório onde se praticava a taxidermia. Nesse museu existiam inúmeros animais empalhados: coruja, duas araras, raposa, gavião, papagaio, teiú, tatu, jibóia, pica-pau, jacu, seriema, galinha d'água, piranha, traíra, veado, paca, macaco, mico, jararaca, cascavel, coral, etc. Uma oficina mecânica equipada com um torno mecânico, forno elétrico, compressor de ar, etc. - onde se fabricavam grades de ferro, peças mecânicas e se faziam outros serviços. Um laboratório de química - onde era ensinado aos alunos do Curso Técnico em Química a fabricar detergentes, sabonetes, sabões em pó, perfumes, cosméticos em geral, tintas, adubos, etc. Uma biblioteca com cerca de 10 mil volumes - com espaço para acomodar uns 150 alunos. Uma tipografia - destinada à confecção de formulários para uso do próprio colégio. Dois gabinetes dentários e um gabinete médico.
O estabelecimento era assistido por funcionário cedidos pelo Poder município e estadual, e outros contratados pelo próprio colégio, perfazendo no conjunto um total de 110 servidores para serviços gerais. Havia 320 professores - sendo 95 do município, 135 do estado e 190 contratados pela escola; dois dentistas e um médico cedidos pela prefeitura; um taxidermista contratado pelo estabelecimento; dois eletricistas; 2 carpinteiros; um mestre de oficina. O pessoal que pertencia ao município e ao Poder estadual prestava serviço por força de um convênio, denominado: "Convênio Professor-Aluno".
O Convênio Professor-Aluno" era uma parceria de prestações de serviços educacionais firmado com o Poder municipal ou estadual com a CNEC - Estadual. A parceria tinha a seguinte modalidade: o colégio matriculava 15 alunos no 1º grau (hoje, ensino fundamental) da comunidade e a prefeitura cedia um professor com carga horária de 20 horas -esses alunos eram chamados de bolsistas do município.Quando o colégio matriculava 20 alunos no 1º grau ou em qualquer um dos Cursos Técnicos, o estado cedia um professor com carga horária de 20 horas - chamavam-se os alunos de bolsistas estaduais. Havia ainda bolsistas do MEC e de empresas privadas. Os alunos não bolsistas os seus responsáveis eram denominados de sócios-contribuíntes, pois contribuíam com uma taxa mensal no valor de 10% do salário mínimo, por cada dependente.
Toda essa infra-estrutura montada para atender aproximadamente 9.000 alunos matriculados. A comunidade estudantil era distribuída nos cursos de Técnico em Química; Magistério; Técnico em Administração; Ensino de Primeiro Grau; Técnico em Contabilidade e Técnico em Desenho Arquitetônico.
O colégio possuía a melhor Banda Macial do Estado da Bahia. Essa banda sempre era contratada por diversas prefeitura do interior da Bahia para fazer apresentações em condições especiais. Fez diversas apresentações em outros estados do Nordeste e até em Brasília. Concorreu a vários concursos de bandas obtendo classificação com destaque. Havia na sala da diretoria uma variedade de troféus ganhos pela banda.
Das 65 salas de aulas, havia uma fileira de 28 salas que eram afastadas uma das outras, com um intervalo variável por sala de 4 a 6 metros.
No intervalo das últimas salas, os funcionários cercavam e aproveitavam o espaço para plantar hortaliças, milho, feijão de corda, plantas medicinais, etc.
Um funcionário do colégio, o Aurelino, trabalhava no turno vespertino como auxiliar de disciplina, chamado pelos alunos de Lião. Era uma figura engraçada, jovem, de olhos grandes e redondos, com estatura aproximada de 1,80m, devia pesar aproximadamente seus 160 quilos, gostava de se fazer engraçado e bastante conversador.
Lião, de vez em quando aparecia com pezinhos de plantas atrás da orelha e às vezes no bolso da camisa. POor curiosidade perguntei-lhe:
- Lião, estas plantinhas que você está usando atrás da orelha e na camisa é preceito?
- É preceito... É para dá sorte rapaz!...
- Para essa simpatia qualquer plantinha serve?
- Claro que serve...
- Estas mudinhas que você está portando são bem bonitinhas!
- São mudinhas de maconha! Disse-me Lião com um sorriso sarcástico.
- É mesmo rapaz!!!... Onde você as encontrou?!!! Eu juro que pensei que fosse de alfazema!
- Há!... rapaz! Nascem muitos pezinhos de maconha no telahdo e entre o entervalo que separa as salas de aulas.
- Mas rapaz! Interessante! Como nascem, Aurelino???
- Veja bem! O colégio é encostado nesse morro. Um local bastante arborizado, pouco povoado, dee difícil acesso. Talvez existam rocinhas com plantações de maconha. De vez em quando a polícia troca tiros com marginais em cima desse morro. O vento quando sopra do morro para a parte de baixo onde está localizado o colégio, deve trazer algumas sementes da erva maldita e, como também, os passarinhos. Quando os funcionários vão fazer a limpeza do telhado das salas acontecem de encontrarem alguns pezinhos.
- Aurelino, você tem razão. Acho que existe nesse morro alguma rocinha de plantação de maconha.
Aurelino fitou nos meus olhos como se estivesse falando com sinceridade e disse-me:
- Se eu lhe disser uma coisa você não acredita e nem amagina!?...
- E o que é!... Rapaz! Estou curioso para saber?!
- É que temos uma plantação de maconha entre a sala 25 e 26!
- Essa não, Aurelino! Deixe de conversa fiada! De péssimo gosto! Não me queira mal... Sua fala é irresponsável e não tem procedência. Caso exista, temos obrigação de levar ao conhecimento da direção da escola para as provid\~encias necessárias. Você já levou ao conhecimento do diretor?
- Ainda não! POorque só ouvi comentários... Se você observar, no espaço que separa a sala 25 e 26 há uma cerca de "maderite" e um portão de madeira com um cadeado. Pelasw gretas você ver a plantação...
- Aurelino, deve ser plantação de hortaliças... Ninguém é louco de fazer uma plantação de maconha dentro de um estabelecimento de ensino. É bom você ter cuidado com essa conversa rapaz!...
Ao passar pelo intervalo que separava as duas salas de aula, onde o Aurelino referia-se à dita plantação, tive dificuldade em observar através das minúsculas gretas do cercado de maderite o tipo de planta.
Chegando nas salas enfileiradas e isoladas de intervalos do lado poente, encontrei os funcionários Vermelho e Bronco capinando os espaços que separavam as salas e disse-lhes:
- Boa tarde!
- Boa tarde, professor!- responderam-me em coro.
- Vermelho, responda-me uma coisa, por gentileza. É verdade quando vocês fazem a limpeza do telhado das salas encontram pezinhos de maconha?
- É verdade, professor. Raramente a gente encontra poezinhos de maconha e de outras plantas no telhado, no chão, quando estamos tirando folhas secas de plantas que o vento traz do morro e com elas vêem as sementinhas de maconha. É professor! O que não presta nasce em qualquer lugar!
- Muito obrigado!... Bom serviço!...
Passado uma semana fiquei sabendo da presença de um agente da polícia federal no colégio, no horário do meio- dia, após as aulas, sem a presença de alunos, solicitando a diretoria da escola para fazer um rastreamento na área do estabelecimento. O agente alaegava que havia recebido uma denúncia anônima feita de um telefone público. E pretendia averiguar se havia alguma plantação de maconha.
- O federal verificou cuidadosamente toda a área do estabelecimento e disse ao diretor:
- Professor, eu encontrei um pé de maconha de oitenta centímetros ao lado do estádio e peço ao senhor para mandá-lo arrancar.
O diretor agradeceu a visita do policial e disse-lhe que estava de saída para fazer um cirurgia bucal e assim que voltasse tomaria as providências.
Não sabíamos que a planta que existia ao lado do estádio era um pé de maconha; pensávamos ser um pé de alfazema, devido a sua folha ser semelhante a da maconha.
Passado uns vinte dias, no horário de meio-dia, apareceram diversos policiais militares e civis, completamente armados de metralhadoras, granadas e outras armas. Pareciam que estavam preparados para um batalha urbana. Adentraram o colégio, com energia e armas em punho. Alguns, parecendo bem treinados se movimentaram com rapidez, posicionando-se em pontos estratégicos no canto das salas, em atitudes de ataques e contra-ataques. Outros foram até o cercado de mederite entre as salas 25 e 26. Observaram o cercado e meteram o pé no portão de madeira com cadeado, arrombando-o, e, como grande surpresa da suposta plantação de maconha!!...Meu caro e bom paciente leitor, não passava de uma modesta e simples plantação de quiabos acanhados!!!
Para justificarem o gasto do combustível com a operação militar,pago pelos contribuintes, três policiais foram até o lado do estádio, unindo forças, arrancaram pela raiz, com ímpeto e fúria, o modesto e frondoso pé de maconha de oitenta centímetros que a natureza havia plantado, e o diretor do colégio havia se esquecido de mandá-lo arrancar. Como também, até aquele momento a planta não havia feito mal algum, colocaram-na em cima de um camionete, bastante desgastada pelo uso, de cor vermelha, como se fosse o troféu de uma fracassada batalha militar.