EM DEFESA DE JORGE AMADO
Paulo Coelho escreveu a crônica “Ao maior dos escritores brasileiros”, publicada em “Ser como um rio que flui”, em agradecimento a Jorge Amado, que fora na França receber um prêmio em seu nome.
Lendo tal crônica, lembrei-me de que anos atrás defendi com unhas e dentes esse meu conterrâneo. A história é a seguinte: a fim de melhorar os índices de aprovação das escolas da sua Rede de ensino, a Secretaria Municipal de Educação, da qual já fui Secretário, resolveu contratar uma professora da UFMS, para ministrar cursos de formação continuada aos professores. Na ocasião eu era Diretor de uma das escolas e pude acompanhar a professora em alguns momentos.
Voltávamos de uma escola rural, em uma velha Kombi escolar, no fim da tarde, quando ela comentou com uma colega, coordenadora de uma das escolas urbanas, que Jorge Amado era criativo, mas suas histórias eram repetitivas e apresentavam muitos erros gramaticais. Portanto, não era aconselhável trabalhar seus textos em sala de aula. Fiquei fulo e na mesma hora intervim. Eu lera toda a obra de Jorge Amado e sabia que aquilo não era verdade. Por isso não fiquei quieto. Além do mais, percebi em seu comentário um certo preconceito, típico de professores universitários bairristas. Disse-lhe, então, com todas as letras, que discordava do seu ponto de vista. Jorge Amado não era repetitivo, escrevia de acordo com as regras gramaticais e era totalmente aconselhável trabalhá-lo em sala de aula. E continuei: Jorge Amado conta em seus livros histórias de marinheiros do cais da Bahia, de soldados, de meninos de rua, de estivadores, de jagunços e “coronéis” das fazendas de cacau do interior, de políticos, de lavadeiras, cozinheiras e balconistas, ou seja, pessoas comuns, de pouca ou nenhuma instrução. Daí utilizar uma linguagem que se aproxima da fala de tais personagens, do ambiente e modo como elas vivem, a fim de bem retratá-las e tornar críveis suas histórias. Seu domínio da técnica narrativa é excelente. Vejam-se como exemplos “Dona Flor e seus dois maridos” e “Tenda dos Milagres”. Há recursos literários em sua obra, diversidade de temas, reflexões metafísicas, denúncias sociais, etc. Mostrei-lhe, através desses argumentos, todo o meu conhecimento e admiração pela obra de Jorge Amado. Fui por ai afora e conclui dizendo que Horácio, um dos maiores poetas da Roma antiga, aconselha os escritores em “Arte Poética” a escreverem de modo simples e a não distanciarem da realidade. E, acaso, não é isso que Jorge Amado faz?
Não sei se consegui convencer aquela professora, mas confesso que me senti com a alma lavada. Fiz o que qualquer um teria feito, defender a obra de um conterrâneo que, acima de tudo, é o escritor brasileiro mais importante e o mais lido no exterior, antes de Paulo Coelho, hoje fenômeno de vendas e traduções.