A ARMA MAIS MORTAL QUE JÁ APARECEU POR AQUI
Temos uma coisa dentro de nós que vale por mil ogivas,
tem dentes afiados prontos para dilacerar o que cruzar o seu caminho,
adora devastar desejos e sonhos, transformando-os em desertos sem a menor dó, sem a menor fagulha de piedade.
Um monstro que não deixa nada em pé, um fôlego que nunca vira pasto, nunca fica mingau, nunca tira o seu último véu, às vezes nem o primeiro.
O seu nome não importa, nem tampouco de onde brota.
Deus devia estar mesmo uma fera no dia em que a jogou no nosso colo de mão beijada, talvez até não tenha sido obra Dele, vai saber, pode ter vindo de um lugar que é quente toda vida, vai saber.
Essa arma tem cheiro forte, gosto decidido, aparência esquisita,
pode ser pequena, mas também pode dar várias e várias voltas no universo, e dessa forma não há infeliz que consiga domar a sua louca debandada.
Os vencedores são aqueles que não a escondem, traduzindo as suas ranhuras com maestria, afiando suas garras no couro surrado de quem quer nos afrontar, ou acha que pode nos dar uma rasteira.
Ou teimam em nos golpear quando estivermos dando aquela gostosa cochilada, ou aquela singela gargalhada.
Essa escopeta nasce com a gente e fica nos sombreando a vida até a nossa última piscadela de olho, às vezes fica bem depois disso, como fica.
Algumas vezes nos abandona, indo para tão longe que nem conseguirmos mais laçá-la de volta.
Então ficamos à mercê de qualquer ventinho, qualquer graveto no nosso caminho acaba com a gente.
Outras vezes, fica tão perto, mas tão perto, que não conseguimos senti-la e acabamos achando que nem está lá.
Mas, acredite, está lá e como. E como.
Ela é capaz de matar, destroçar, esmigalhar, esmagar, dissecar, desmascarar, desafinar, debandar, desnundar e desbundar o que estiver pela frente, numa ânsia irreparável de rolo compressor.
Num transe que faz tudo girar, tudo ficar do avesso, tudo virar um cão sem dono, um sangue que pula do poro feito pipoca.
Acredito que Deus até deve estar arrependido de ter nos passado essa fórmula tão certeira, com certeza até fica com inveja da gente por causa disso, vai saber.
Porque, de alguma forma, nos tornamos mais divinos quando descobrimos onde ela repousa, o dono do show deve até ficar com medo da gente por causa disso, vai saber.
E hoje, com toda reverência e sobriedade que couber nessa pobre alma, reconheço que diante dela fico menino, fico atônito, fico barata-tonta sem cabresto e sem o caminho de casa.
Fico órfão de mim mesmo e de tudo que já consegui caminhar nessa vida.
Não há nada nesse mundo, nada mesmo, que a supere em força, poder de destruir e construir, capacidade de fazer o dia virar breu, o medo virar varanda, o grito virar brisa, o mofo virar seda, o fardo virar luz.
Estou falando da palavra, inocente criatura que geramos sem muita cerimônia e que é a única que pode, realmente, fazer todo esse circo virar pó.
E você, que sabe brincar com as palavras e até domar tudo o que brota dela, sabe muito bem o quero dizer. Não é mesmo?