O MURO

O muro é alto, com a caiação desbotada pelo tempo, chuvas e sóis.

O muro é velho, tem rugas e feridas em todo o corpo. Das pequenas fendas saem talos delgados de ervas daninhas que resolveram, sabe se lá por que, brotar ali. Não raro se vê, nesta ou naquela sua extensão, o rastro luzidio de uma lesma, a carcaça ressecada e translúcida de uma cigarra que há muito expirou, após o último trinado, legiões de formigas que vão abrindo seus caminhos à moda das antigas Entradas e Bandeiras.

O muro engole o sol, no final da tarde, e o mundo mergulha nas trevas. Em nosso socorro vem um gato, que sobe, ágil e leve, ao cume desse muro e acende o cordão de estrelas da árvore de natal do céu.

O muro é o quadro-negro da escola da vida. Nele pixam-se frases de todos os tipos, tribos e línguas, que vamos lendo e aprendendo, apreendendo os fins e os meios, no dia-a-dia.

O muro é o canal em que Maquiavel fala a cada quatro anos, por meio de códigos de números e slogans, o que as raposas querem dos cordeiros.

O muro é intransponível. É insensível como os velhos Samurais. É mudo como as imagens de cera do “Museu Madame Tussauds”, em Londres. É imponente e bárbaro, zeloso guardador dos tesouros em seus domínios, valendo-se, para tanto, das armas que lhe deram: cacos de vidro, lanças de ferro pontiagudas, redes metálicas eletrificadas.

Um dia derrubo esse muro, livro a humanidade do seu jugo stalinista, ignóbil. Afinal, John Lennon, Joana D’Arc e Vitor Hugo sonharam com isso, como o sonham hoje os poetas, os músicos, as crianças, os bêbados e os noctívagos.

Adeblando Alves
Enviado por Adeblando Alves em 10/05/2009
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