A gaveta das meias
Gaveta de meias.O que teria?A de Angie não tinha só meias.Tinha vidas!Criança solitária,tentava perguntar aos adultos suas dúvidas,e na urgência em compreender a realidade,ouvia dos pais:-Isto não é pergunta que se faça,Angie!Vá brincar!Fale com seus botôes.Mas suas roupas tinham poucos botões,e ela,sem irmãos,tinha uma gaveta abarrotadas de meias!Eram 30 pares.A saúde frágil,gripes constantes causados pelo local frio e úmido onde morava faziam de meias um artigo muito apreciado para ser presenteado em seus natais e muitos aniversários.
Nas cinzentas e tristes tardes de inverno,arrumava o seu pequeno quarto,quando batia o tédio.Ajeitava seu armário,a cama e a gaveta das meias cantando baixinho.Se surpreendeu ouvindo as meias!Sabiam as letras, e eram afinadas as danadinhas!Da canção às conversas foi
um pulo!Ninguém ligava suas conversas e risadas sozinha.Elas,porque
já vinham de vários locais,contavam aventuras de suas vidas:
-Fui um dia parte de uma ovelha,sabia?A gente corria pelo campo verde,dormia sob as estrelas....uma vez vi um cometa!dizia uma rosa
.Falavam de viagens:-Não nasci aqui,querida!Vim de avião!Era uma planta,cotton,nos EUA!Contava uma meia amarela saudosa.A verde dizia:-Viviamos no vento,sentindo só o calor do sol e a chuva gostosa!Fofocas da própria família,a meia azul marinho fazia seguido:
-Tua tia falou que te dá meias porque tua casa está caindo,é fria e teu pai não tem dinheiro para te comprar remédios toda hora!
-Não Liga,Angie, essa daí é cerzida com linha ruim!Consolavam as outras.Mas angie não ligava,ficava feliz com suas amigas faladeiras.
Colocava todas na cama quando ia dormir,ouvindo 30 boas noites!Fazia filas com elas pelo chão e andava em cima,inventando 30 locais
perigosos,30 caminhos de diamante,rios cheios de crocodilos em que eram a última ponte possível.Viravam tapete mágico.Ouvia delas
sábios conselhos e dividia dúvidas,tristezas,segredos,descobertas.
O tempo passou,sua saúde também melhorou!Os pais a colocaram na escola.Seu temperamento suave,sua educação e as fantásticas histórias que contava,aprendidas com as meias,a fizeram popular em pouco tempo.Temas de casa,novos amigos e um cachorro,por suas
notas tão boas,aos poucos a afastaram das meias.Pode finalmente visitar a avó nas férias,que morava numa cidade distante.Ficou seis meses e voltou com uma mala de roupas doadas pelos primos mais velhos,e um monte de novidades para contar as suas meias!O cão latiu e a mãe a recebeu com um sorriso gigante:-Filha!Chegou!Venha ver como a mãe ajeitou o teu quarto!Tem colcha nova,um tapete de ursinho e uma comoda nova!Já arrumei tudinho!A mãe tirara roupas do quarda-roupa,desativara a gaveta das meias.-Cadê minhas meias,mãe?Gritou perplexa.Feliz a mãe respondeu:-Dei tudo,minha filha!Estavam velhas e pequenas demais para teu tamanho.És já é uma mocinha!
Naquele dia,despediu-se da sua infância mas sem pesar.Os novos
amigos e o cachorro,ajudaram a passar por isto.Uma tarde o olhar de um certo garoto na escola,ocupou seu pensamento todo o tempo!Agora, com a saudade que bate em quem teve bons amigos,a gaveta teria um batom,o primeiro sutiã,perfume,cartinhas e um diário,trancado à sete chaves!
Este texto faz parte do lV Desafio Recantista de 2009
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