Crônica do remorso

A subida para se chegar ao Kumon é cansativa, e para não o ser tanto, é preciso que seja subida sem pressa. Sempre estou com pressa, sempre atrasado, então, ela é sempre muito cansativa. No dia em que a imagem se deu, a subida era cansativa pelo fato de eu estar - como sempre - atrasado; e por conta da garoa insistente que estava a cair, causando um certo tumulto entre as pessoas com guarda-chuvas.

Quase no fim da subida, e a uns dois quarteirões do Kumon, avistei um homem. Obeso, careca, e sem uma perna. Andava com o auxílio de muletas, o que o impossibilitava de usar um guarda-chuva; movia-se com difuldade por conta do peso; e em sua camiseta preta fazia-se notar, aos poucos, uns pontos molhados pela garoa. Ele subia com dificuldade, e no momento em que o alcancei, ele foi para de baixo da copa de uma árvore, para descansar os braços e abrigar-se da garoa. Olhei-o; ele não me percebeu, suspirava. Era difícil saber se sua testa estava molhada de suor ou da garoa, ou os dois. Fiquei tentado a lhe oferecer uma carona no meu guarda-chuva, que era dos grandões, mas me lembrei da hora e do atraso; não podia atrasar-me mais. Segui adiante, não olhei mais para trás; a tentação ainda persistia.

Até agora, ao me lembrar dele, sinto uma pontada de remorso por não o ter oferecido uma carona no guarda-chuva. Não me teria custado nada.

Caio Pereira
Enviado por Caio Pereira em 15/04/2009
Reeditado em 24/04/2009
Código do texto: T1540883
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