Resiliência
Sentados, estávamos os três à mesa, algo que quase todo fim de semana acontecia. Contava a meus tios o filme que há alguns dias havia assistido. Primeiro contei-lhes do que ele tratava: a história girava em torno de um grupo de “hippies” norte-americanos que tentava mostrar o quão inútil e absurda é uma guerra, e que para viver de verdade e ser feliz bastava querer. Além disso, disse-lhes qual era minha opinião quanto ao longa-metragem.
No fim, somente minha tia afirmou ter uma vaga lembrança do tal filme. Já meu tio, completou dizendo que não o conhecia e começou a se queixar, dizendo que há muito tempo procurava um folga para assistir a diversos filmes que queria, mas que ainda não havia conseguido, pois trabalhava pela parte da manhã, tinha de resolver problemas à tarde e, à noite, seu único horário em casa, mesmo que não quisesse, era obrigado a organizar o dia seguinte, não sobrando espaço para qualquer tipo de diversão ou lazer. Pegando a linha do que ele falava, minha tia também se dispôs a encher o ambiente de lamentos.
Eu, sem voz naquele diálogo, quem sabe pelo fato de ainda não ter tantas obrigações quanto aquele casal de meia idade frente a mim, fitava-os fixamente, sempre concordando com um movimento de cabeça e uma expressão de compreensão, tentando esconder o que realmente estava pensando: perguntava-me, sem obter respostas, como era possível alguém livre, independente, privar-se de coisas tão simples? Por que não faziam o que tinham vontade e pronto?
Hoje, depois de muitos anos após aquela conversa, vivendo em uma sociedade que exige tudo e mais um pouco do ser humano em todos os aspectos possíveis, condicionada a cumprir metas profissionais, presa aos deveres da casa e da família, companheira inseparável do relógio e com um álbum de fotografias nas mãos, encontrado no interior de uma gaveta quase nunca aberta, com poucas passagens de minha vida registradas nas cores desbotadas das fotografias, lembro-me daquele dia e acho as respostas para as perguntas que me fiz, dando-me conta de como a vida segue seu rumo freneticamente, de como as coisas acontecem em uma velocidade incrível e incontrolável.
Somente no dia de hoje, dezenas de pessoas cruzaram meu caminho, mas não recordo da fisionomia de nenhuma delas, apenas de um sorriso no rosto de alguém, pelo qual passei indiferente, perdendo a oportunidade de retribuí-lo.
Ontem, no fim da tarde, perdi um magnífico pôr-do-sol. O por quê? Estava cansada “demais”, por isso preferi trancar-me no quarto, esquecendo de lembrar que o sol não espera enquanto descanso, porém meu descanso pode esperar enquanto ele se põe.
Em uma noite da semana passada meu filho não parava de falar, contava com havia sido interessante seu dia no colégio e eu, já impaciente, pedi que fosse terminar sua história a seu pai, pois queria assistir ao noticiário da TV e com ele tagarelando a meu lado não conseguia. Deixei passar uma chance de mostrar que me importo com o que os outros têm a dizer.
Faz três meses que minha irmã mandou-me um presente do lugar para onde viajou e eu ainda não a agradeci por lembrar-se de mim. Sinto falta de sua presença, de nossa infância, das fábulas que nosso pai nos contava nas noites de chuva...
Nosso pai... Ele se foi há cinco anos, de uma forma completamente inesperada... Agora não há mais tempo para perguntar se lhe dei amor, para dizer que não poderia se tornar um hábito dezembro sem ele. E essas palavras que se despedaçaram entre os dentes, agora pesam e se pousam para sempre sobre mim.
Talvez seja tarde para reaprender a viver ou, talvez, pelo contrário, não.