Zé Tampinha e Urtigão
O repórter de rádio Edu Gramado passou a semana a agitar e promover o grande jogo de domingo entre os dois líderes do campeonato, o Laranjeira Futebol Clube e o Esporte Clube Nataleno. De um lado, provocou o centroavante Zé Tampinha, do Laranjeira, o qual não fazia gol há sete jogos, e do outro, o goleiro adversário Urtigão, que estava sem ir às redes pelo mesmo número de partida.
No microfone de seu programa, Edu colocou os dois no ar. “Será meu oitavo jogo sem levar gols”, brincou Urtigão, que tinha esse nome porque quem se encostasse nele saía se coçando. Nenhum médico jamais conseguiu explicar o fenômeno. Talvez por isso, falavam as más línguas, só tomava gol de fora da área. “Vou fazer dois nocê, um de praca e otro de bola e tudo” repri..., desculpe, replicou o artilheiro, que tinha fugido da escola para jogar bola.
Nos bastidores da rádio, Tampinha confidenciou ao repórter que tinha bolado uma forma diferente de comemorar seu gol. Levaria um celular escondido na camisa e, após enfiar a pelota nas redes, ligaria de dentro de campo para sua mulher. “Posso ser espurço, mas será legau, o mor barato”, disse o baixinho.
Dono de um faro canino para a notícia, o jornalista sugeriu que Tampinha ligasse para ele, Edu. “Vou te colocar no ar. Será algo inusitado na história do rádio esportivo. Um furo de reportagem.” E assim ficou combinado, porém tudo no maior segredo. Nem o dono da rádio sabia.
Chegou o domingo tão esperado. O céu estava tão bonito que até a chuva de dois dias tinha se acabado e o gramado, sequinho e fofo, daqueles em que a bola rola sem atrito. O juiz chamou Tampinha e Urtigão, que eram capitães de seus times, e jogou a moeda. Depois pediu para o goleiro e o centroavante se cumprimentar num aperto de mão. “Mais tem de ponhá a luva antis, pro favô”, pediu Tampinha a Urtigão.
Ninguém percebeu, mas o baixinho levava o pequeno celular num bolsinho, costurado por sua mulher, na parte interna da camiseta. Atrás do gol de Urtigão, Edu Gramado torcia ansioso para que Tampinha desencantasse de vez e ligasse para ele, do celular.
Foi um jogo duro e difícil. Duro de assistir e difícil de comentar. A bola não saiu do meio-campo. Cada time jogou com três volantes recuados e os dois meias de ligação ficaram represados pela forte marcação dos volantes. Até parecia que estava surgindo um novo esquema de jogo: o 2-7-1. Dois zagueiros atrás; volantes, laterais e meias no meio-campo; e um centroavante solitário, lá na frente. Urtigão e Tampainha não viram a cor da bola. Teria de acabar zero a zero, mesmo. Aliás, igual à nota que os dois times mereciam.
Ávido por encerrar de vez aquela pelada horrorosa, o juiz deu apenas um minuto de desconto no final. Aos quarenta e cinco e meio, o lateral cruzou a bola na área de Urtigão. O goleiro subiu junto com Tampinha, mas não conseguiu evitar a cabeçada do baixinho e a bola estufou as redes. No momento em que ambos trombaram no ar, o telefone escapuliu do bolsinho e caiu dentro do gol, sem que seu dono notasse.
Feliz da vida, Tampinha correu em direção a lateral e parou para telefonar, sem perceber que o juiz tinha anulado o gol por impedimento. O artilheiro procurou o aparelho dentro da camisa, dentro do calção, da meia e até da chuteira. Apalpou todo seu corpo à procura do celular. E nada. A torcida e a imprensa acharam que ele se coçava por causa do contato com Urtigão na hora da cabeçada.
Segundos depois, Edu Gramado, perto da linha de lateral, aflito com o que sucedia a Zé Tampinha, ouviu seu telefone tocar, e atendeu.
- Viu Edu, não te disse que seria meu oitavo jogo sem levar gol...
Era Urtigão que falava ao celular, debaixo de suas traves.