SEMANA SANTA!
Quando eu era criança a Semana Santa durava a semana inteira. Tudo começava no domingo de ramos e seguia por toda a semana. Cada dia com seu significado próprio, entretanto, não lembro mais o que significava a segunda e a terça, mas lembro que a quarta-feira era de trevas, onde as “marias” não tomavam banho, ninguém varria a casa, andar a cavalo era proibido e tomar banho de rio nem pensar, pois se o galo cantasse naquele momento ficava entrevado, para sempre. Era o pior dia para mim, que morria de medo, já que vivia fazendo peraltices e precisava me vigiar o tempo todo.
Na quinta-feira, dia máximo do sofrimento de Jesus, não comíamos doce. E sexta era a sexta-feira grande, e quando alguém perguntava por que era grande já que parecia do tamanho das outras, eu logo respondia: é grande porque é do tamanho do sofrimento de Jesus.
O melhor da Semana-Santa, para mim, era a troca de jejuns. Eu e Júnior (meu irmão) éramos os responsáveis pela entrega das oferendas. Íamos, de casa em casa, entregando e, ao mesmo tempo, tentando adivinhar o que traríamos de volta. Durante a semana papai não vendia o leite tirado das vacas, doava uma parte aos moradores e, a outra parte, mamãe fazia queijo. Parte desse queijo era doada, em forma de jejum. Na sexta-feira ele não tirava leite. Era pecado. Dizer palavrões nestes dias, nem pensar.
E, no domingo, tudo era festa. Mesa farta, família reunida, e muita alegria. Jesus estava vivo outra vez, e nós, livres para brincarmos a vontade. Como morávamos numa fazenda, participávamos das missas através do rádio. Eu gostava de acompanhar a via-sacra. Chorava feito bezerro desmamado. Não conseguia entender como podiam ter feito tanto mal a um homem tão santo.
Não tinha ovos de páscoa, nem coelhos, mas tinha muita brincadeira, muita reza, muita conversa no alpendre: era uma semana com ares de santa. Mamãe preparava muitos quitutes para comermos a noite, depois de rezarmos o terço, junto com toda vizinhança. Depois, os homens contavam estórias, as crianças brincavam e as mulheres colocavam ordem na cozinha. Gostava de esperar o sábado. Ficávamos até meia-noite, acordados, esperando a hora de comer doces, e comemorar a ressurreição.
Hoje, vendo as comemorações, percebo a grande distância existente entre a Semana-Santa de minha infância e a dos dias atuais. Tenho a estranha sensação de que o ovo de páscoa – que só conheci na adolescência -, substituiu o verdadeiro sentido da oferta. A páscoa, para muitos, é só mais uma data festiva no calendário. Os mistérios que envolvem este período, parecem ter se diluído no sentido comercial. Nunca parei para pensar, seriamente, sobre isso: causas e conseqüências destas mudanças.
Isso tudo veio a minha lembrança quando fui lavar a farda de exército do meu filho, e me peguei pensando que, noutros tempos, eu jamais faria isso. Hoje é dia de oração. Não é dia de fazermos nada ligado ao mundo material, profano. O tempo passou. Meus conceitos mudaram, mas bateu uma saudade das semanas-santas de minha infância que só recordando em crônica alivia a nostalgia...