Não verbal
O dia seguinte seria dia de prova de português. Matéria: linguagem verbal e não-verbal, língua, códigos. Enfim, comunicação. Pedi a ela que pegasse o livro para que estudássemos juntas.
Comecei lendo a parte sobre linguagens. Para ilustrar o que seria a linguagem não-verbal, disse-lhe que ia fazer um gesto para que ela descobrisse o que eu estava fazendo. Imitei o Pensador do Rodin
e, para reforçar a ideia, dei uma coçadinha na cabeça. Enfim, perguntei-lhe:
- O que foi que eu quis lhe dizer com esse gesto?
E ela:
- ... que você está com coceira na cabeça?
Ri muito, ainda que preocupada com a falta de percepção da mocinha ao meu lado. Expliquei-lhe que estava pensando, e fiz ainda outros gestos (mais simples) que ela interpretou corretamente: surpresa, medo, etc. “Sua vez”, disse a ela. Pedi-lhe que me mostrasse, por gestos, que estava cansada; ela dobrou o braço sobre a mesa e se deitou sobre ele. É, sua linguagem não-verbal não deixou dúvidas.
Depois falamos sobre a língua. Perguntei-lhe se ela sabia o que era - e ela abriu sua linda boca, mostrando-me a sua. Briguei, afinal estávamos estudando, não?
Um exercício sobre linguagens pedia que se interpretasse um anúncio publicitário da Fundação SOS Mata Atlântica, que constava de uma foto de um tronco de árvore com um cartaz colado sobre ele. O cartaz tinha uma flecha vermelha apontada para o alto e os dizeres: “Este lado para cima”. Achei que fosse um pouco complexo para ela, mas fui tentando. Primeiro, expliquei do que se tratava o cartaz: que normalmente era colocado em caixas com produtos dentro, para que elas ficassem sempre na mesma posição e os produtos não se danificassem. Depois, perguntei-lhe:
- Quando é que uma árvore não está com as folhas para cima?
E ela, na sua lógica peculiar:
- No outono, quando as folhas caem...?
Ela tinha razão, minha pergunta é que havia sido infeliz... Depois que corrigi a pergunta ("quando uma árvore não está de pé?") conseguiu interpretar da forma esperada: a árvore cai quando é cortada; então, o cartaz pedia que a árvore ficasse sempre de pé. Ou seja, que não fosse cortada. Fiquei muito orgulhosa de sua percepção e considerei o estudo terminado.
Ela guardou o livro na mochila, virou-se para mim e me jogou um beijinho. “Te amo”, disse em seguida. Usou de ambas as linguagens, verbal e não-verbal, para me plantar um sorriso pelo resto da noite.