O POETA E O GÊNIO

Vem-me de duas queridas amigas a lembrança – Célia Lamounier e Deslaniev Desp – hoje é o dia do escritor, hoje é o dia do poeta. Dia nacional! Abro os braços, estendo-os aos céus na sua distância infinita: Senhor, eu sou poeta! Na luz mental que me passaste e se fez responsável pelo que sou, há uma força, não de ver, mas de entender. O invisível eu não o alcanço, sinto que está em mim e comanda a ação, impulsiona à frente, entranha em uma roda gigante que vai por si, por si se move deixando rastros, marcas na passagem.

Minha poesia, senhor, será menos minha, pessoalmente, do que eu próprio imagino. Vem de ti, está nessa luz que me passaste ao acordar para a vida. Talvez no ventre de minha mãe, no momento da concepção. Eu sou poeta, Senhor, poeta nasci. Mestre, o livro é como o interlúdio na composição musical, uma impulsão, um acordar do inconsciente. Como diria que se entenda sem dúvida, sem que se pense que deliro? A poesia é divina, vem de ti, por ti colada às entranhas do poeta, à sua alma. Uns mais, outros menos. Castro Alves gritava à vista da morte: “eu sinto em mim, o borbulhar de um gênio”. E era um gênio maior. Maior que nós outros, milhões de vezes. Mas, Senhor, em cada um de nós, poetas, puseste um átimo, um instante, um mil milésimo de tua divindade. O poeta é um predestinado, um gênio que vem de ti.

Um exemplo do que sente o poeta em seu momento, tomo destes dois momentos da coroa “Leveza do Soneto”. Longe de dizer o gênio de Castro Alves em nós, somos, todos um pouco divinos:

VIII - A FANTASIA

Sol de esperança e augúrio, o tudo e o nada,

que se completam dando vida ao sonho,

quando escrevo me vêm de Deus, suponho,

na fantasia em chamas abrasada.

Corusca a fantasia, eu a disponho,

como desejo e entendo trabalhada.

À garupa dos deuses vem montada,

desce da Estrela D'Alva, luz e hormônio.

No cume do Himalaia, novo Atlas,

sustento no ombro os céus, cantos e oblatas,

à Eternidade e às Musas, de mansinho.

Humanizado, estiro-me na areia,

e um soneto de amor canto à Sereia,

que vem na morna embriaguez do vinho.

IX - DON QUIXOTE

Que vem na morna embriaguez do vinho,

na fria involução de antigas eras,

eu sei que vem - retorna das moneras

meu pobre Sancho Pança do moinho.

Sou o Don Quixote, esgrimo a espada e alinho

a tempestade e os ventos, mato as feras,

corto a cabeça tríplice às Quimeras,

Bellorefonte - o mar em torvelinho.

O sonho tudo pode, e agora mesmo,

ando no espaço caminhando a esmo,

ou navego a loucura que me assume.

Remarco a fantasia e armo a cilada

para o soneto... A mente conturbada,

Ponho-lhe o alvor do lírio e o seu perfume.

14-03-09.