O QUE NÃO MATA, ENSINA A VIVER
Pediu-me que respondesse à pergunta com uma única palavra. E que esta palavra fosse a primeira que me viesse ao pensamento, trazida pelo coração. Deveria ser pura, sem intromissão do senso crítico, senão não seria verdadeira.
- Na lista dos sentimentos dolorosos experimentados, qual deles dói mais?
Conforme me instruiu, a resposta assaltou a minha mente, desceu até a minha boca, impulsionou-se na língua e saltou: - A decepção.
- E o que é a decepção? Incitou-me.
- É cair na real, numa situação irreal, que nós mesmos criamos. Respondi outra vez por impulso.
Meu inquisidor não se deu por satisfeito. Como se estivesse no meio de uma arena ameaçando soltar os leões enjaulados caso eu fracassasse na prova, ordenou-me:
- Fale mais sobre a decepção.
A esta altura o meu próprio animal enjaulado ruminava sobre a resposta que eu havia dado há minutos atrás. Como se fosse tomada por um orgasmo de idéias, me pus a falar:
- Experimentamos muitos sentimentos dolorosos pela vida a fora, causados por pessoas que não são próximas a nós, mas a decepção é diferente. A decepção se dá com os que nos são mais caros. Os que têm o nosso sangue, a nossa amizade, o nosso amor. Por isso dói tanto. Dói sabermos que fomos enrolados, ludibriados, enredados nos nossos próprios sentimentos. Dói sabermos que fomos co-autores de uma história com final infeliz. Dói não termos sido comedidos, não termos saído de cena antes do final, termos nos entregue por inteiro.
O inquisidor olhava-me impassível. Temi que ele libertasse os leões contrariados pela minha falação e que eles devorassem a mim e, como sobremesa, à minha impetuosidade. Mas, deduzi que aquele olhar estava me encorajando. Continuei.
- Decepção é quando a fantasia que criamos para alguém se rasga e desvenda sem piedade, a verdadeira roupagem que encobrimos. Por mais que saibamos que não podemos exigir de ninguém que seja aquilo que não consegue ser, ou que dê aquilo que não possui, a raiva vem. São as tais chacoalhadas da vida, que nos alerta: “Vá devagar para não se machucar”. Mas, aí já machucou! E a gente segue, com as feridas abertas, sangrando e doendo, esperando que o velho e amigo tempo as cicatrize. Felizmente ele cura tudo mesmo e, quando menos esperamos, já estamos curados.
O que lamento é que, com estas resvaladas da vida, ficamos descrentes, desconfiados, com o pé atrás com as pessoas. Desta forma sentimos menos, doamos menos, amamos menos. Mesmo assim, a decepção não mata, ensina a viver.
- E como você lida com a decepção?
A figura que outra vez questionava-me tinha os olhos mansos agora. Os leões haviam adormecido. Respirei aliviada e finalizei meu devaneio filosófico com a cartada final extraída da doutrina resiliente de Poliana.
- Deus é tão sábio que retira da nossa jornada, tudo aquilo que não nos faz bem. Por isso, torna-se necessário que algumas pessoas nos decepcionem no meio do caminho, para que as dispensemos de nossa viagem rumo à felicidade.
Ele sorriu para mim com um sorriso dos aliados, ou seria dos sobreviventes decepcionados? Desta vez faltou-me coragem para perguntar.