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        QUEM SOU EU PARA QUESTIONAR O BISPO...
    Ou uma Carta Aberta ao Arcebispo Dom José Cardoso Sobrinho
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               Ainda ecoa em meus ouvidos a declaração do Arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho: “Ele cometeu um crime enorme, mas não está incluído na excomunhão. Esse padrasto cometeu um pecado gravíssimo. Agora, mais grave do que isso, sabe o que é? O aborto, eliminar uma vida inocente”, disse o Arcebispo, referindo-se ao padrasto que violentou a menina.

               Concordo que a Igreja, não apenas ela, mas toda a sociedade, deve defender a vida. Aceito que a vida É prioridade. Também não discordo que a igreja precisa zelar pelos princípios éticos e cristãos. O que me assusta é o que foi dito. Aborto é crime? Na óptica da Igreja sim, mas para o Estado, em alguns casos, não. Estupro é crime? Para o Estado sim, mas para a Igreja, desculpe, para o Arcebispo é, mas não tão grave.

               Seria demais esperar que a Igreja aceitasse o aborto, que incentivasse a sua prática. Isso seria contra o que ela vem pregando ao longo de milênios. O aborto, mesmo nos casos legalizado é um processo traumático e não acredito que a Igreja um dia venha aceitá-lo, em qualquer situação. Faz parte de seus princípios. Quem discorda pode procurar conviver com o pecado ou mudar de religião. 

               O que me assustou foi que, em nome da vida, o Arcebispo tenha tentado minimizar um crime tão bárbaro, tão ou mais desumano, cruel e perverso quanto o aborto. Se o feto é indefeso, o que dizer de uma criança de nove anos diante de um adulto que a violenta? Se matar uma vida no útero é crime hediondo o que dizer de destruir uma vida pós-uterina? O aborto é punido com excomunhão, o estupro não. Que valores são estes? Nem estou questionando se a mãe e os médicos, que agiram em defesa da vida da criança violentada, deveriam ou não ser excomungados; estou questionando é por que ao estuprador não foi dado o mesmo tratamento.  Porque o crime dele não é condenado pela igreja, e sim, visto apenas como algo menos grave. 

               Talvez eu precise de uma assessoria teológica para me fazer entender esta diferença, que leigamente, não consigo perceber. Talvez eu precise mergulhar na leitura do santo livro para encontrar respostas convincentes. Foi ferido o quinto mandamento. O estuprador não feriu nenhum mandamento? Sua atitude mesquinha não fere os princípios cristãos? Não é violência? Será que para a igreja crimes contra a honra feminina não são relevantes? Por favor, digam que não. 

               Alguém, em nome de Deus, fale em defesa da não violência. Que a luta cega contra o aborto não nos torne insensíveis em relação às muitas formas de violência praticadas contra a mulher, no caso específico, uma criança. Defender a não violência – tema da CF 2009 – não é, também, defender a vida? Lutar contra a pedofilia, a violência sexual não é defender a vida? 
 
               Não estou defendendo o aborto, apesar de achar que neste caso ele foi necessário, estou querendo entender que lógica é esta que condena a interrupção de uma gravidez que, além de ser fruto de uma violência sexual – PEDOFILIA INCESTUOSA –, colocava em risco a vida da mãe – uma criança, mas nada faz em relação a quem violentou esta mesma criança. 

               Perdoe-me senhor Arcebispo, mas minha razão não aponta nesta direção. Meu coração de mãe entende a mãe excomungada. Meu raciocínio leigo entende as razões da medicina e apóiam a atitude do médico que não relutou em salvar a vida da criança violentada. Minha consciência cidadã manda que eu não radicalize, mas o que não consigo é aceitar é que uma autoridade católica, em sã consciência, para justificar uma atitude extrema, tente minimizar os horrores causados pelo estupro.

               O senhor nunca poderá avaliar o que é ser violado naquilo que se tem de mais sagrado – seu corpo, sua alma. O senhor nunca saberá o que é ter sonhos arrancados por alguém que deveria protegê-la, nunca viverá o horror de ter medo de tudo e de todos. Nunca, senhor arcebispo, o senhor sentirá o medo tomando conta de seu corpo como uma chaga aberta que lhe corrói inteira e você nem sabe direito o que está sentindo. Nunca saberá o que é sentir medo de um afago, um carinho, porque já não sabe diferenciar o que é carinho ou ataque ao seu corpo.

               Não senhor arcebispo, não dá para discutir o que é mais violento, mais doloroso, mais grave. É como querer saber qual é a dor que dói mais. Com certeza, será sempre a que sentimos no momento. E aquela menina, senhor arcebispo, sentiu as duas e a sua mãe sofreu junto com ela. Daquela menina, senhor arcebispo, foi tirado não apenas as crianças que ela gerava, mas seus sonhos, sua confiança nas pessoas. Aquela mãe teve sua vida esfacelada. O médico foi punido por exercer seu ofício. O causador de tudo, o estuprador, teve seu ato atenuado, minimizado. Ajustará contas apenas com a justiça. A igreja não achou “muito grave” o seu crime.

               Se estupro é caso apenas da justiça, deixe que toda legislação seja. O senhor aconselhou ao Presidente que procurasse uma assessoria teológica para falar dos assuntos da Igreja, ótimo. Ouso aconselhar o senhor a procurar uma assessoria feminina para falar da violência contra vida e o corpo da mulher. Mesmo as cristãs, aquelas que condenam o aborto, certamente lhe dirão, senhor arcebispo, que o estupro também é um crime muito grave.
 
               Creia-me senhor arcebispo, eu acredito em Deus, eu defendo a vida, eu entendo a luta da Igreja contra o aborto, partindo dos princípios que ela parte não há como aceitá-lo, eu só não entendo, senhor arcebispo, como o senhor pode dizer que o estupro não é tão grave quanto o aborto.
 

               Não tenho nenhuma dúvida, senhor arcebispo, que eu preferiria ter feito um aborto, mesmo sendo contra a prática abortiva, a ter meus sonhos de criança violados. E, se Deus me castigar por isso, perdoe-me a franqueza, eu acreditei no Deus errado. 

               Senhor arcebispo, defenda a vida, continue lutando contra o aborto, este é o papel da Igreja, mas, por favor, em nome desta mesma vida, da não violência, do respeito à mulher, não repita que o estupro é menos grave que o aborto. Os dois são formas de violência – dentro dos princípios defendidos pela Igreja. A diferença senhor arcebispo, é que no aborto a mulher tem opção de escolha – mesmo que seja uma escolha questionável. 


                              
                                   



Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 07/03/2009
Reeditado em 09/03/2009
Código do texto: T1474756
Classificação de conteúdo: seguro
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