EU,  O ADVOGADO.

Não sei ao certo se é o estágio da vida ou as vicissitudes passadas me levaram ao desejo de escrever algo que marcasse minha presença na terra.
Não tenho por propósito fazer um relato biográfico, até porque, as posições que alcei no cenário público, foram tão insignificantes que se tornariam enfadonhas e injustificáveis a narrativa.
Resolvi relatar apenas alguns acontecimentos profissionais, fatos pitorescos, sagazes, porque não dizer, que expandiram destreza e habilidade no campo advocatício, especialmente em defesa dos interesses das partes que defendi.
Impõe-se, inicialmente, um breve histórico de minha formação, para que o ilustre leitor possa aquilatar as dificuldades enfrentadas, originárias, talvez por querer defender intransigentemente os direitos dos constituintes.

Jamais pensei ser advogado. Minha vocação estava voltada para as ciências positivas. Encontrava na matemática o lenitivo impulsionador de um jovem, desejoso em querer uma solução para determinada questão. Nunca abandonei qualquer problema, sem que chegasse ao fim com a solução. Vía nos números a realidade da vida. Neles encontrava mais sinceridade e justeza na indicação de solidariedade. Hoje tenho uma conceituação filosófica mais racional.
Fui criado num regime patriarcal, que não abomino, nem censuro. Observo rígido princípio de honestidade, educação e lealdade. Mas, quando caí na vida profissional entrei em conflito com a realidade.
Enfrentar sorrindo uma situação adversa, o interesse econômico ou material, de quem decidia; a intransigência maldosa, as simulações de legalidade, as artimanhas e armadilhas arquitetadas pelas partes contrárias, não foi tarefas das mais fáceis.
Voltado exclusivamente para um procedimento correto, sincero e sobretudo leal, dimensionava o despreparo da vida advocatícia. Nunca o princípio biológico mereceu tão exatas aplicações, tive que me adaptar ao meio, sem capitular, contudo, evitando a sucumbência.

Muitos já escreveram sobre a conduta do advogado, em ótimas leituras, que em tese são perfeitas. Abordam: comportamentos, penetrações sociais, oportunismo e procedimento ilibado. Mas, nem todos puderam seguir aquelas linhas mestras.
As bifurcações da vida conduzem, às vezes a outros caminhos, até como meio de sobrevivência, ou visando vitórias e derivativos de conveniências.
Vi muitos subirem por valor e talento, contudo outros por serem destemidos, detinham lábias, astúcias ou persuadindo aquilo que não possuíam, cultura jurídica e personalidade.
Vi advogados alçarem a magistratura, o topo, portanto, da representação profissional, graças ao tráfego de influência, numa hipocrisia revoltante.
Vi, porém, outros atingirem os mesmos patamares após dificílima caminhada, sem bajulações e subserviências.
Creio assim que essas linhas, a seguir, sejam mais dedicadas aos INICIANTES, em especial aqueles que se deixam envolver por sonhos, vislumbres, que nunca se realizam ou se perdem no decorrer dos anos.
Ao deixar de lado os estudos que seguiria a carreira de engenharia, em razão da 2ª Guerra Mundial, me vi, da noite para o dia, dentro de uma faculdade de direito.
Nesse ponto, observei comportamentos peculiares, moços “carreiristas”, eloqüentes, com o dom da palavra fácil, bradavam, em praça pública , clamando por vingança, em defesa da soberania nacional, porém despidos de total patriotismo. Nem bem a guerra começara no Brasil se acomodaram em luxuosos gabinetes, desfrutando nababescamente de ótimas posições, chegarem às representações legislativas, a seguir ingressarem no executivo já como governante.
Lembro-me de um que atingiu o Senado da República, apontado como grande advogado, convocado para servir ao Exército, numa marcha de treinamento, que não pudera fugir, se renegava ter clamado por guerra, em discursos eloqüentes nas praças públicas do meu Estado. Recordo-me de outro, orador impoluto, que em oração memorável bradara pelo estado de guerra, se refugiar atrás de uma “asma” para não servir ao exército quando fora convocado. Advogado dos pobres e humildes, defensor do direito dos operários, mas que dele tinha asco ao se aproximarem, chegou a Governador... Outro socialista avançado, de idéias comunitárias, orador emérito, grande advogado, era um bajulador repugnante de juizes, desembargadores e ministro, com vistas a obter decisões favoráveis nas ações que patrocinava.
Evidentemente todos esses fatos conflitaram o meu essencial caráter e, chegaram a causar traumas no início das atividades advocatícias.

Antes tivera uma experiência desastrosa, humilhante e, paralelamente, hilariante.
Influenciado, ainda com dezesseis anos, inspiraram-me a abraçar a carreira militar, estudei e fiz exame à Escola Naval. Até que no período de estudos no Curso não foi pior, nem crítico para um mancebo, embora tivesse ainda mais arraigado uma conduta retilínea, ditada por exemplos e comportamentos de um professor .
Acho que cabe aqui expor, se não como modelo para os dias de hoje, cujas condutas são tão diferentes daquele comportamento, como homenagem a um homem sério, responsável e correto nos mínimos detalhes. Chegávamos ao curso às 7 h. da manhã, todos jovens, entusiasmadíssimos, esperançosos em ingressar na Escola Naval. Surgiu na sala um homem forte, de meia idade, se fez anunciar, dizendo seu nome e as matérias que iria lecionar: física e química. Era ele engenheiro-naval, que estudara na França com madame Curie. Oficial de Marinha , já no posto de Capitão de Mar e Guerra.
A primeira impressão foi um tanto lisonjeira. É que se tratava de um bonachão, por ter anunciado não vou ensinar, mas estudar com vocês, em seguida tirou o jaleco branco, ficando com o busto nu. Gorducho, transformou-se num a figura um tanto ridícula. Sem solução de continuidade, disse: -- tirem suas calças. Houve grande desassossego. Ninguém sabia o que fazer, a timidez dominava. Repetiu, com o tom de voz mais contundente : -- tirem suas calças.
A fama que gozava e as informações antes obtidas de ingressar na sala, dava para temer um atitude precipitada. Os jovens que ali estavam ficaram estarrecidos com a determinação do mestre. Mas, numa coletividade há sempre um com temperamento ou demonstração de maturidade, esse toma a atitude e começa a tirar as calças... Já de cuecas, veio a reação do nobilíssimo professor. “Nem todas as ordens devem e podem ser cumpridas”. UM HOMEM NÃO SE DESPE A FRENTE DE OUTRO, é falta de pudor, todos devem manter respeito ao seu semelhante.
E ele, não estava ali de busto nu ?... Seguiu-se a explicação e justificativa. “Quando tiro meu jaleco, não quer dizer que estou desrespeitando vocês, é que transpiro muito, vibro com a matéria, o que me obriga a permanecer dessa forma”. Na verdade, ele saia da aula pingando suor...
Dali para frente a aula transcorreu normalmente, uma observação ficara contudo, trazia toda a turma atenta às suas palavras e, de 15 em 15 minutos, de forma sistemática, parava, olhava um por um e contava uma piada ou história, cuja duração não durava mais de dois minutos. Retomava a concentração e continuava a aula. Naquele mesmo dia dissera, QUE PARA ESTUDAR FÍSICA OU QUÍMICA, o aluno já teria ter pelos no púbis, porque para entender melhor e fixar a matéria em estudo, tinha que ir tirando um a um...
Não vou me deter mais tempo nesses aspectos, tomando o precioso do leitor, porém, um fato sou obrigado a narrar.
Estávamos a quatro meses de aulas, belo dia, o mestre parou, olhou todos e não contou a piada ou uma história. Perguntou a um dos alunos, lembro bem do sobrenome, Horta; porque ao lhe chamar disse: “seu da Horta” ... o que está desenhando. Todos tinham de ser sinceros, e o pobre “da horta”, teve de dizer : SUA CARICATURA. Traga aqui à mesa. Taxou a caricatura no quadro-negro e comentou parece que está ótima, o senhor é um emérito artista. Vamos ver se sabe, o que ensinei hoje. Começo uma “sabatina”, que foi retrocedendo às aulas anteriores. Daquela tropelia o “Da Horta” não conseguiu responder mais nada. Disse o Professor “PARGA NINA”, vocês estão dispensados .
A seguir, chamou o Diretor Geral e o Secretário, informando-lhes o aluno “da Horta” está afastado do Curso, acompanhem comigo o cálculo do quanto estou devendo aos pais dele, porque durante esse tempo todos nada consegui ensina-lo. A parcela deu significativo valor e ressarcido os pais. Passados dois meses, o pai do aluno Horta foi a procura do professor fez veemente apelo para que ele retornasse. Ele concordou, firmando uma condição, ele permaneceria durante o dia todo e parte da tarde sob suas ordens. O acompanharia ao Arsenal de Marinha, onde era engenheiro, faria as refeições na casa dele, todos os dias, inclusive aos sábados e domingos. Ensinaria todas as matérias: aritmética, álgebra, geometria, trigonometria, português, física e química.
O José Maria passou em 2º lugar no exame de admissão à Escola e o filho do Professor não foi aprovado, somente no ano seguinte.


NOTA DO AUTOR = Conforme a repercussão que tiver e o interesse da leitura, darei continuidade ou não desta narrativa.
Alberto Frederico Soares Mello.

"Smello"