Desgraça pouca é bobagem

Maicon vem sempre à minha sala no horário do recreio. Um dia tem dor de cabeça, outro, enjôo. Chora, reclama. É uma constante e já sabemos que é psicológico.

Hoje pela manhã não foi diferente. Veio, chorou, disse-lhe que fosse até a merenda, que se alimentasse e depois conversaríamos. A professora diagnosticou: _ É manha.

Cinco minutos depois o garotinho magricela e descorado volta. Chora ainda. Sento ao seu lado e conversamos. Pergunto da sua família e ele se abre.

_ Sua mãe está melhorzinha das pernas? eu pergunto. (ela tem um tipo de câncer, não é velha, mas aparenta 30 anos a mais, anda de muletas).

_ Não, ele diz. Ela está na cama. Só come duas colheradas de comida.

E Maicon continua:

_ Meu pai expulsou o Cláudio de casa. (Cláudio é o segundo irmão mais velho, deve estar com 18 anos agora e foi aluno também lá, esteve preso por roubo e uso de drogas).

_ Sua mãe deve estar triste, Maicon. Você precisa estudar, se alimentar aqui na escola, para ela ficar mais alegre. E a Daiana? (Daiana é a irmã, já com 14 anos, terminou a 4a. série ano passado).

_ Ela não está estudando. Nem o Ivã. (irmão do meio, terminou o ciclo I dois anos atrás).

_ E o Thiago? (Este é o irmão mais velho de todos, tem deficiência física e mental, é cadeirante, também foi nosso aluno até 19 anos de idade).

_ Ah, sim, Dona Sônia, o Thiago está estudando, mas agora está de férias. Só eu e ele estamos na escola.

Maicon chora na hora da merenda, pois passam fome em sua casa. O pai trabalha (entregador de gás), mas a mãe não tem forças para cozinhar. Maicon e Daiana levam a merenda que resta, para casa, isso há anos.

Quando o menino tenta comer, lembra da mãe doente e chora.

Sônia Casalotti
Enviado por Sônia Casalotti em 18/02/2009
Código do texto: T1446477
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