Epitáfio Sob Cortinas

Existia um teatro abandonado na vila que eu morava,ninguém nunca o visitavae logo me apossei do lugar.Em minha vaga lembrança lembro do quanto espirrava com a poeira do abandono,lembro que isso era o suficiente pra chama-lo de lar.Até hoje nunca encontrei outro lugar para assim chamar.

Lembro das cortinas vermelhas e dos passos de dança ensaiados pra ninguém ver,das peças que prometi escrever e da tarde que passei decidindo quem interpretaria o príncipe encantado e qual música tocaria na cena final.

Lembro que com meus dezesseis anos me sentei na escadaria chorosa,lembro da música que tocava de fundo e quanto isso pareceu um filme na minha cabeça.Acho que comecei a chorar mais depois daquele dia.

Lembro também dos meus amigos que moravam no teatro e o quanto me divertia com eles ,das vezes que bebemos e choramos,das vezes que discutimos o livro que eu planejava escrever como se ele já tivesse sido escrito por outra pessoa,de suas incríveis histórias,e como eles tentavam discutir meu destino. Lembro que um me amava e certamente me amou mais que qualquer outro. O que eu sentia por todos eles era puro e lindo,e fui incapaz de esquece-los pois foram as únicas pessoas que eu realmente amei.

E aqui em meu leito de morte,aos olhos de Lita e de todas suas irmãs,eu sei que o teatro nunca existiu,que o único lugar que pude chamar de lar nunca passou de uma ilusão e que as únicas pessoas que amei não passavam de um outro eu que eu não fui e diante disso eu me pergunto “que espécie de desastre de ser humano eu fui?” e então quando já estou entregue aos braços da doce Perséfone,pouco antes dela retirar meus fios de cabelos,ela sorri e responde “Eu não tenho a mínima idéia”