GOLPE DE MESTRE
Foi numa Sexta-feira espremida entre um feriado e um Sábado que tudo aconteceu.
O movimento do salão de cabeleireiro tinha sido fraco. A maioria das pessoas que costumavam freqüentar o lugar já tinham viajado, tentando aproveitar o feriadão.
Mara, dona do negócio, estava preocupada com o baixo faturamento do dia que mal dava para cobrir as despesas que tivera.
O lugar era simples, mas possuía clientes fiéis, conquistados pela excelência do seu profissionalismo e também pela simpatia e solidariedade que distribuía a todos naturalmente.
Naquele momento as duas manicuras estavam paradas e Mara tinha acabado de terminar um corte e se despedia da sua cliente. Era final de tarde.
O homem entrou, abrindo a porta de vidro com jeito assustado, surgido não se sabe de onde e pediu para usar o lavatório.
Tinha as mãos sujas de sangue e o pescoço machucado. Devia ter uns 42 anos no máximo, embora os cabelos fossem já grisalhos, tinha boa aparência e estava bem vestido, com calças e camisa creme.
Mara o levou até o lavatório e percebeu o tremor do rapaz e o desespero em que parecia estar.
Pediu um copo d’água e ela perguntou o que acontecera enquanto o servia e oferecia uma cadeira para acalmá-lo.
Contou que fora assaltado na saída do banco há poucos minutos, quando pegava dinheiro para pagar suas passagens de volta para casa. Afirmou ser do Espírito Santo.
Um carro com 3 ocupantes lhe pedira informações na saída e, ao se aproximar, fora puxado para dentro tendo seu cordão de ouro sido arrancado a força, motivo das lesões no pescoço, bem visíveis até. Além disso, levaram também todo dinheiro que sacara no caixa eletrônico, documentos e o deixaram ali, algumas quadras depois do estabelecimento bancário.
O homem estava visivelmente nervoso e de vez em quando chegava a chorar tamanho descontrole, despertando sincera compaixão em todos.
Pediu para usar o telefone e fazer algumas ligações.
A cliente, que acabou ficando para dar assistência, ofereceu-se para discar os números do seu celular. Ele ditou um 0800 para comunicar roubo de cartões de crédito e documentos. Depois deu outro nº , dizendo ser do trabalho, pois tinha vindo na cidade à serviço. Como última chamada pediu para ligar a cobrar para sua casa, pois sua esposa estava com cesariana marcada do 3º filho para aquela noite e ele achava que não conseguiria chegar a tempo em Marataízes, onde moravam. Seria um parto de risco, ele falava, e isso o estava deixando mais nervoso ainda.
O pescoço sangrava e Mara lhe deu uma toalha para apertar no lugar.
Então, visivelmente consternado, perguntou sobre a possibilidade de um empréstimo que permitisse que ele voltasse pra casa. Pediu Dr$ 138,00, o suficiente para comprar sua passagem, prometendo que enviaria o pagamento por transferência em conta bancária fornecida, tão logo chegasse em sua cidade.
Mara meteu a mão no avental e contou Cr$ 250,00. Tirou Cr$ 150,00 e emprestou ao rapaz.
Ele anotou corretamente o nº da conta dela e agradeceu muitas vezes a sua confiança e a compreensão de todos pelo seu problema.
Saiu dizendo que ainda teria de pegar sua bagagem no depósito da rodoviária antes de embarcar no primeiro ônibus de volta pra casa.
Levou o nº de telefone para informar sobre o embarque e sobre o nascimento do filho.
Atravessou a rua e fez sinal para um táxi, se perdendo no trânsito da avenida movimentada.
Depois dos comentários habituais sobre a violência reinante nos tempos atuais, a cliente também se foi, mas logo à frente parou em um posto de gasolina para abastecer seu carro. Lá, comentou com o frentista sobre o ocorrido, mas antes que pudesse terminar de falar ele já tinha a história pronta para descrever em seu lugar.
Aquele golpe tinha sido dado dois dias antes ali mesmo. Era tudo um grande e teatral conto do vigário! A pessoa se machucava propositalmente para dar maior credibilidade ao seu “roteiro”. Uma coisa triste de se saber, mas infelizmente este era o retrato do mundo moderno...
Mara nunca recebeu o empréstimo que fez, é claro e alguma coisa na sua inocente maneira de ajudar as pessoas se perdeu!
As vezes o aprendizado obriga as pessoas a se tornarem duras e assim os sentimentos bons vão ficando pelo caminho...Pena, mas real e necessário!