TEMPOS MAIS QUE MODERNOS
O que você vai ser quando crescer? Esse é um dilema de pais, crianças e adolescentes desde os modernos tempos em que a revolução industrial esfacelou o saber coletivo e empurrou para a especialidade o homem que sempre construiu sua própria sobrevivência e a transmitia para sua descendência num ciclo natural da humanidade. Preste atenção no que vou dizer: Não faço aqui apologia ao passado, mas não vou deixar de dizer as coisas como elas eram só para agradar a quem não gosta de velhas histórias. E olha, que nem sou eu o dono deste desabafo. Ele vem de Machado de Assis, século XIX. Portanto, estamos conversados: só atualizei.
Motorista, engenheiro, professora, costureira, mecânico, médico e muitas mais das profissões clássicas naqueles antigos tempos modernos povoavam o imaginário e o desejo desses pais e filhos. Buscava-se algo que correspondesse à aptidão de cada um. A antiga vocação foi sendo surrupiada pela oportunidade, que a tecnologia, para o nosso bem ou nosso mal vendo impondo. Hoje ela é coisa rara para ser empregada no momento da escolha ou do instante de bater as próprias asas. As pouquíssimas exceções são logo confirmadas por um talento inato ou apadrinhadas por um berço de ouro, que fornece ao candidato o benefício da espera pelo momento certo de se fazer a opção profissional. Mas é bom ir adiantando ao freguês que, com os avanços na medicina, com a nossa alimentação cada dia mais trans, com os mecanismos cada dia mais sofisticados de comunicação e com a nossa desenfreada marcha para o eu sozinho, novas doenças surgem no mercado da saúde, novos equipamentos vão sendo criados para facilitar o nosso ócio físico e mental, novos serviços vão sendo criados para atender a nossa indisfarçável solidão e, assim também vão surgindo novas profissões, nunca antes cogitadas, para atender a esses reclames que não fomos nós que fizemos.
Primeiro vou falar de algumas profissões que a modernidade engoliu, só para lembrar mesmo, depois a gente entra no assunto propriamente ao gosto da modernidade. Por exemplo, não temos mais ou quase não temos mais, alfaiate, lambe-lambe, reparador de máquinas de escrever (nem a máquina), sapateiro, apontador, telegrafista, leiteiro... Ah, eu sou do tempo em que o padeiro passava de porta em porta de bicicleta ou de Kombi duas vezes por dia com pão fresquinho.
Andei pesquisando nos classificados de jornais, alguns exemplos que ainda não entendi bem os significados, mas dá para se ter uma noção das atribuições dos novos afazeres profissionais. Já temos o médico do tráfego, que, imagino, deve cuidar para que possamos ir e vir com saúde física e mental, a despeito do nosso louco trânsito. Deve ser um psicólogo de motoristas e pedestres. Outra especialidade médica nova para mim é a cosmiatria ( que a princípio pensei cuidar da influência do cosmos em nossa saúde), mas é um ramo (ou vamos chamar de ciência?) que trata dos aspectos da beleza humana. No campo da prestação de serviços, existe a hostess (uma espécie de babá para ensinar bons modos a adultos) e o observador de ambiente de vendas (um espião a serviço do próprio espionado - no caso-, o dono do ambiente). Temos também no mundo do lazer ou o que eu chamo de gerenciamento da solidão, o administrador de comunidades virtuais e o planejador de games. Acho que o primeiro administra nada para ninguém e tudo para todos, ao mesmo tempo e nessa ordem. Já o segundo deve passar a sua jornada criando novos jogos para ajudar a podar a imaginação criativa de nossas crianças e dar sossego para os pais que não têm tempo de participar da formação dos filhos. Nada de pressa ou de pânico, estamos combinados? Quem sabe, uma hora dessas não passa um cavalo arreado na sua porta? Ou prefere um trem-bala?
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Cacá
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