Velha fórmula
Nada de bom pode sair de minha lavra quando escuto Resposta ao Tempo, de Aldir Blanc, na voz de veludo de Nana.
Há em todas as pessoas o gosto pela tragédia, a vontade de viver um amor tão grande que esfacele o coração.
Ai de quem não viveu um grande amor. Ele inventará para si mesmo que ele existiu, mesmo que não passasse de um olhar furtivo, através da janela. Casado, deixará a esposa ou o marido, na eterna dúvida de não ser o primeiro e único amor. Solteiro, nunca estará inteiramente disponível, por que esse amor que criou tomará todo espaço disponível do coração.
É um amor irrealizado, portanto perfeito, onde se sofre bela e dignamente, onde o perfume das rosas mortas acompanhará o enterro da paixão as tantas mil vezes que ela morrer, para renascer mais forte.
Não há dignidade alguma num banco de fórum onde o “meu bem” é substituído pelos “meus bens”, com direito a xingamentos e partilhas.
Mas, nesse amor irrealizado, irreal, que a gente inventa na adolescência, para almofadar o coração de pedra que surgirá invariavelmente quando se fanarem os sonhos é sempre perfeito. Com direito a comédia, a tragédia, ao afogamento, ao vôo.
No parceiro real não há beleza, não há nenhum super poder. Somente e tão somente aquela criatura patética, que surge após o segundo ano de casamento que defeca, peida e cutuca os dentes. Que dorme de boca aberta e baba o travesseiro. Por mais horror que pareça, somos humanos, somos assim, “todos tendes intestinos e, no final deste, um lamentável cú, que os envergonha”. Mas, quem é que pode manter uma paixão perfeita, se o outro insiste em se coçar? Em comer? Em ficar bêbado? E limpar as unhas do pé?
O T-Rex surge agora, meio espantado, com sua indefectível sobrancelha, altiva e inglesa, perguntando o que vem a ser esse derrame insano de palavras.
Sei lá, Rex! É constatação.
Só se pode amar de mentira, como propõem os filmes e livros. Li recentemente uma obra voltada para adolescente, e que está muito em moda, (O Crepúsculo e sua continuação). Divertiu-me imensamente o fato de que os personagens parecem sempre estar à beira de um ataque fulminante de amor, e que é muito conveniente a forma vampiresca do personagem central. Mas, quem não gostaria de não envelhecer e nem morrer (no caso dele, de novo? (exceto eu, que acho isso uma tara fraca)
A mocinha ta dando um monte pra ser vampira também. Enfim, um vampiresco conto shakespereano, uma velha forma já tão usada, e nunca gasta, mudam os personagens, muda o cenário, muda o estilo, mas o fundo da estória é sempre o mesmo: uma velha fórmula shakespereana.
O T-Rex me observa chocadíssimo, vestido em seu robe de seda. Balança a cabeça numa indefectível rejeição aos meus argumentos. Critica-me seriamente: atrevo-me a criticar Shakespeare?
Não, Rex, eu até gosto dele. Mas, que ele inventou ou pelo menos divulgou o Grande Sonho Adolescente, é incontestável.
O problema é que ele não previu que crescemos, amadurecemos e carregamos, para sempre, conosco nossos sonhos.