Saudosa Páscoa
Meu nome é Maria, tenho 85 anos e estou só, tendo apenas a companhia de Deus e do meu rosário, onde canto meus louvores à Virgem Maria, minha mãe amada e protetora. Vivo num asilo de velhos há vinte anos e ninguem nunca mais veio me visitar, estou aqui esquecida pela família e pelo mundo. Às vezes recebo a visita de almas generosas que vem aqui me abraçar, beijar, trazer balas e prosear comigo. Mostro a minha boneca, a minha filha de mentirinha, que cuido dela diariamente, como cuidei da minha filha de barriga, que esqueceu que um dia teve uma mãe que muito a amou e cuidou.
Guardo nas minhas lembranças os bons tempos da família toda reunida, em torno da mesa de celebração e a Páscoa sempre era muito especial. Durante a semana esvaziávamos os ovos de galinha e pintávamos a casca com lindos arabescos coloridos e depois com habilidade, derramávamos pelo furinho o chocolate quente. Após um saboroso almoço, todos ganhavam seus ovinhos e ficavam até com pena de quebrar a artística casca para saborear o chocolate. Eu guardei todos eles e agora abro a minha caixa de recordações e coloco todos em volta de mim e começo a rezar meu terço:
Que Deus guarde a minha filha querida e todos os meus parentes
e os protejam dos tropeços da vida.
Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco,
bendita sois vós entre as mulheres,
bendito é o fruto do vosso ventre
Jesus Cristo!
Obs > Maria cruzou na minha vida, em minhas andanças, há muitos anos atrás. Era engenheira formada, mas o mal de Alzheimer a deixou sem memória recente, e apenas as do passado conservaram-se intactas.
Era feliz no seu mundo faz de conta, porque guardava dentro de si
todos os bons momentos do seu passado familiar e embora estivesse vivendo sózinha há muitos anos, nem se dava conta disso. Agora está brilhando no céu como mais uma estrelinha a salpicar o céu em noite de luar.
Santos, SP
16/02/06
15:37 hs