Um bom motivo pra viver
Estou convencida de que a gente vive numa imensa Associação dos Vivedores Anônimos e que uma das etapas do programa é vencer o dia, vivendo simplesmente, esperando o próximo dia para vivê-lo igualmente.
Aqueles que ainda não conhecem a AVA suicidam-se logo, ou por outra vivem de forma agônica e desesperada; são criadores natos, artistas, os que vivem dez anos a mil. Esses gastam a vida como a cigarra, cantando no verão sem pensar no inverno; como príncipes encantados sempre a caça de dragões quer para salvar princesas em perigo, quer não; vivem como se cada dia se prolongasse infinitamente pela noite e tem por companhia todas as estrelas que alcançam com facilidade; mergulham no mar oceano, visitam Oropa, França e Bahia, tem um amor em cada porto e nunca olham para trás.
Voadores natos, vislumbram sem se importar, guerras ou bailes, no horizonte que não lhes interessa senão como parte da paisagem.
Os não associados da AVA tem mesmo a ousadia de reinventarem-se, de ser o que quiserem; eles se dão a licença poética de não aceitar ou acatar a crítica, o dichote, a zombaria. Estes que se fazem felizes, que saltam no abismo pela simples graça de voar, ainda que por breve tempo; estes que, como o filho de Dédalo, constroem asas de cera e dão um único e glorioso vôo, contrariando os deuses.
Nós, os associados, vivemos mil anos a dez. Cada dia vencido silenciosamente, ajuizadamente, sem vôos cegos. A segurança vem em primeiro lugar, e é recomendável comprar a segurança de uma cadeira para o futuro, quando seus pés já não se suportarem, quando suas mãos deixarem de sorrir.
Nós, os associados, sabemos o que nos aguarda, temos a presciência do futuro e por isso mesmo, vivemos um único e tranquilo dia, a cada dia, sem vôos gloriosos, sem felicidades desmoralizantes, sem impactos e sem surpresas.
Nós da AVA, estamos ai mesmo, dependurados nos pingentes, nos andaimes, nos coletivos lotados, nos bancos de filas intermináveis, em casamentos falidos que preenchem lares sem expressão, ou no completo esquecimento de si mesmo.
Na sede da AVA é possível adquirir a bateria que transformará qualquer vivente num vivedor anônimo, procure o folheto nos consultórios médicos, dentários, nas agências de planos funerários, em algumas igrejas.
O T-Rex está aqui às gargalhadas mais histéricas, perdeu totalmente a pose inglêsa e a compustura, se abre! Quando recuperar o fôlego, ele certamente me perguntará quanto custou a minha bateria.