(fragmento da crônica Quem não a sente? por Yara Cilyn)
 
 
 
 
- O que você tem? 
- Como assim o que eu tenho?
- Posso descrever com tintas fortes?
- Fique à vontade...
- Está com os olhos sem brilho, um sorriso algemado, a fisionomia cansada e indiferente, parece que tem o coração em pedaços, a alma em desalinho, o espírito ansioso...
- Ah... Você tem o dom de perceber, mas duvido que saiba a razão dessas transformações que tão bem descreveu...
- Vou tentar... Saudades?
- Sim! Saudade, muita saudade. É tanta que toma meu espaço, tamanha que consome meus movimentos, tão forte que me sinto um grão de areia sendo pisado por vários e enormes pés; um pequeno inseto preso pelos cordões inquebráveis da teia de uma aranha. É como estar com fome, muita fome, estômago com paredes coladas à espera de um naco de pão; e com sede, muita sede, sentindo-me como se a garganta, a pele, as entranhas estivessem secas como papel pardo que passou o dia do sol.

- É... Suas tintas são fortíssimas. Mas se existe uma dor, uma fome, uma sede que se atenua é ela, a saudade. Porque, se assim não fosse, a gente morria... Mas passar, não passa mesmo, a não ser que se coma a presença, como escreveu a sensibilidade de uma escritora ímpar, Clarice Lispector.
 
Abraçaram-se então e saíram a passear, sentindo a brisa do verão por sob a copa das árvores, ouvindo o gado mugir, o trinar dos passarinhos, vendo as cores da Natureza tornarem-se fortes à medida que o dia amanhecia, enquanto o sol acordava...