Quando ela se foi

Conheço pessoas que passeiam pelos cemitérios porque acham a experiência relaxante. Outros não suportam nem passar perto. A mim, particularmente, não é agradável, só isso. Mas como as crianças insistiram em que eu viesse, aqui estou neste enterro. Mas essa história começa mesmo dois dias atrás.

Foi numa manhã de quinta-feira quando se deu o imprevisto fato. As crianças voltavam da escola e iam atravessar a avenida quando a pequena Aila as viu lá da pracinha. Não sei quem a deixou sair de casa sozinha, e ao vê-las, saiu desatinada ao encontro delas, tão empolgada e infantil, e não viu o ônibus que tão somente cumpria seu itinerário – e que infortunada coincidência –, quando os dois se encontraram no meio da via. O motorista freou mais pelo grito dos dois irmãos do que pela vida em seu caminho. Mas não teve jeito mesmo, e Aila não resistiu ao choque, caindo ali mesmo. A multidão cercava o corpo e alguns vizinhos tentavam acalmar as crianças. Aila era praticamente uma irmã. Elas a viram nascer, a pegaram no colo, mas agora seus valores de vida, amizade, sofrimento, solidão e dor os atingiram súbita e confusamente. Era a primeira vez que viam uma amiga morrer.

Chegaram em casa aos prantos. A mãe, assustada, lhes corria ao encontro. Ouvi o choro, do quarto, e desci para saber da notícia infeliz: a cachorrinha morrera.

Tentamos consolá-los de todas as formas, mas era a primeira vez que os pais enfrentavam essa situação, que os adultos também não sabiam lidar – a morte. Não quiseram comer, nem foram à aula no dia seguinte. Até que a filha teve a ideia de fazer um enterro, com velório e tudo.

Conseguimos por cortesia um cantinho tranquilo no cemitério do bairro, e foi lá que, família reunida e alguns amigos das crianças, realizamos o enterro. Pensei que algum deles fosse chorar e contagiar por fim os demais, mas todos permaneceram corajosamente firmes. Terminado o rito, saímos em silêncio. As crianças davam a mão à mãe, e eu acompanhava a uns metros atrás, até que o menino virou-se e quebrou o silêncio:

— Nada dura para sempre, não é, pai?

Confirmei com um sorriso sério que ele estava certo. A menina olhou para o lado e teve outra ideia:

— Vamos comprar outro cachorro, mãe? – e combinamos que, na segunda-feira, depois da aula, iríamos comprar um cachorro.

Acho que as crianças superam alguns problemas melhor do que muitos adultos – e quando foi que eu perdi minha simplicidade pela vida?

Notei depois que as crianças aceitaram bem o novo amigo, e nunca mais tocamos no assunto do acidente. E também notei que elas estavam crescendo, mas, toda vez que voltavam da escola, não passavam mais pela pracinha, não.

Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 12/04/2006
Reeditado em 01/03/2017
Código do texto: T137650
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