Sol para todos
Esse é mais um caso verídico da minha lavra de trabalhos humanitários em prol de outras pessoas. Corria o final do ano de 1.984. Estava nessa época prestando serviço na fiscalização de tributos de Mato Grosso, na condição de servidor celetista, ou melhor dizendo, não era concursado, era apenas contratado. Implica dizer que não gozava de estabilidade no serviço público e sendo assim, por qualquer motivo poderia ser dispensado do cargo sem direito a qualquer tipo de indenização ou benefício legal. A minha família era composta de minha companheira mais um casal de filhos. Morava de aluguel e a vida andava devagar e sem grandes perspectivas salariais. Enfrentava obstáculos gigantescos para sobreviver e, por isso, almejava submeter-me a um concurso público. No finalzinho do ano de 1.984, saiu o edital do Concurso Público para o cargo de Agente de Fiscalização e Arrecadação dos Tributos Estaduais de Mato Grosso. Me inscrevi de imediato, pensando freqüentar uma escola específica para concurso público. Cheguei a freqüentar uma escola criada somente para os funcionários do fisco que não eram concursados. Participei de algumas aulas, mas notei que se continuasse nessa escola, iria perder muito tempo, pois o nível de escolaridade de alguns colegas de fisco deixava muito a desejar. Objetivando não perder tempo, decidi que não mais freqüentaria aquela escola e resolvi criar meu laboratório de estudos em minha própria residência, ensejando estudar com profundidade toda a programação constante no referido edital.
A proprietária da casa onde eu residia era a senhora, Valdenora, que residia em um barracão aos fundos da residência que me alugara. Sabendo do meu intento em estudar para o referido concurso, a senhora Valdenora procurou-me dizendo que o filho dela, o Pethersen Batista do Nascimento também estava pretendendo fazer o concurso, principalmente porque no serviço de corretagem onde trabalhava, ganhava muito pouco. Sabedor de que o Pethersen era arrimo de família, resolvi então convidá-lo a estudar comigo, o que, de certa forma, para ele já representava uma vantagem a mais, pois além de eu já pertencer ao quadro do fisco mato-grossense, poderia lhe passar todos os conhecimentos que possuia na área de Legislação Tributária e na de Prática e Procedimentos Fiscais, que eram justamente as disciplinas que ferrava o pessoal que não pertencia ao fisco quando prestava concurso para os quadros da fiscalização. Tudo preparado para o início dos estudos, eis que me aparece o Pethersen, acompanhado por um seu amigo, o Paulo Afonso, que também desejava fazer parte dos nossos estudos visando o Concurso Público. O Paulo me perguntou quanto cobraria para que ele participasse do grupo de estudos? Eu lhe respondi que tanto ele, como o Pethersen, não desembolsariam nenhum centavo para participarem, e que eu só exigia que prestassem bastante atenção nas aulas e procurassem não faltar para não ter que repetir determinado assunto estudado em cada dia de aprendizado. Determinei que só estudaríamos no período noturno das 19:00 às 24:00 horas, portanto um período de 5 hs diárias, e que as aulas se estenderiam aos sábados, domingos e feriados. Aconteceu, porém, que não nos atínhamos somente ao período de 5 horas diárias e na maioria das vezes, encerrávamos os estudos com o dia amanhecendo, dado o interesse demonstrado pelos mesmos, o que colaborou em muito para destrincharmos todas as apostilas, não deixando nada sem resposta.
Por ter formado esses grupo de estudos, consegui ganhar a antipatia de alguns de meus colegas fazendários, que eram unânimes em afirmar que o que eu estava fazendo não era admissível, pois, ao ensinar legislação tributária aos de fora dos quadros do fisco, estaria criando cobras para morder nossos colegas, pais de família, que precisavam passar no concurso para consolidarem suas situações dentro da fiscalização mato-grossense, uma vez que já pertenciam aos quadros da Secretaria de Fazenda, na condição de contratados e nomeados por ato governamental. Todas as vezes que saiam com essas desproposituras, eu dizia que embora eles pensassem dessa forma, eu, por outro lado, achava e sempre acharei que o sol nascera para todos. Não dando muita bola ao que diziam, continuávamos nossos estudos com dedicação, garra e, sobretudo, vontade de melhorar de vida. Não deu outra, no mês de maio de 1.985 prestamos o concurso e todos os integrantes desse meu grupo de estudo passaram e hoje são meus colegas e se revelaram excelentes fiscais. Fiquei muito gratificado em ter colaborado com pessoas pobres que precisavam de uma chance na vida. Hoje tanto o Paulo, como o Pethersen, possuem casa própria e cada um deles tem seu carro na garagem, além do que, melhoraram ostensivamente o nível de vida de suas famílias.