Para quem gosta de gatos

Eu amo os gatos. Primeiro por que eles são os animais mais parecidos com gente que eu conheço, segundo por que, ao contrário das pessoas e nesse ponto totalmente diferente delas, os gatos não tem a capacidade infame da traição. Seriam as pessoas honestas, aquelas cujas as convenções do mundo e o verniz cínico da civilidade ainda não houvera atingido.

Tenho cinco gatos, a saber.

Romeu, um meio persa, branco, indolente, preguiçoso e blasée. Não corre atrás de nada, sejam bolinhas de papel ou lagartixas. Apoia a cabeça no travesseiro para dormir e não disputa nada que não lhe seja extremamente caro, como por exemplo, o colo de meu marido, que ele prefere a qualquer outro, única pessoa para quem mia. Anti social e nada curioso, retira-se da presença de pessoas que lhe desagradam, sobretudo, as que cheirem mal. Comparo-o as pessoas que conquistam seu espaço sem gritos, que tem lealdades limitadíssimas e tem o bom senso de não ir tomando liberdades (OU DANDO) com desconhecidos.

Lili, vira latas, com 1/5 de siamês, branca e marrom, gorducha, totalmente tímida. Lili não faz barulho, nem gosta dele; vive retirada nos fundos da casa, onde se sente à vontade para fazer reinações terríveis, como rasgar caixas, destruir estofados, derrubar vasos. Se deixa acariciar, mas não gosta de colo.

Lili se parece muito com aquelas pessoas realmente tímidas, mas que trazem por baixo um fogo e um arsenal de coisas desconhecidas. Perigosas por que instáveis, nos surpreenderão.

Ton-ton é lindo, vira-latas enorme, preto e branco, mascarado, dono de um rabo de quase 60 centímetros, ativo, vigoroso, rueiro e safado, é totalmente onívaro, come milho verde, pipoca e acelga, não dispensa uma bolachinha integral - é meu preferido disparado - apesar do tamanho, é pacífico e gentil, odeia colo, mas quando abraçado, "chora" baixinho implorando para sair. Comparo Ton-ton aos bon-vivant, que desejam experimentar tudo e não tem medo de explorar o mundo, desde que respaldados pela segurança de um escape seguro. Do contrário esperam a hora mais propícia, sem precipitações, para suas explorações. Comparo-o ainda aos que se dão um valor exato e, apesar de apreciarem carícias, escolhem o momento e quem as faz, não tendo medo de pedir o que querem da vida e das pessoas, visto que confiam enormemente no próprio encanto. Ton-ton monta "sorrisos" felinos, por incrível que pareça, irresistíveis. Ninguém lhe nega um bocadinho do prato.

Ma'é(feia), vira-latas padrão, chegou magrela, feiosa e sobejada da morte (cruelmente a abandonaram amarrada num terreno baldio). Desconfiada e teimosa, Ma'é, é resistente a apelos e rosna quando forçada a fazer alguma coisa. Rebela-se fácil contra carícias indesejadas e mostra os dentes. Não pede comida e espera pacientemente sua vez de comer. Não implora coisa nenhuma e fica totalmente agressiva quando despejada do lugar onde escolheu para dormir. Gosta de dormir em barrigas quando faz frio, mas ao menor movimento inútil se afasta aborrecida. Gosta de ser acariciada com leveza em algumas partes do corpo, como a cabeça e os ombros, não aprecia carinhos na barriga.

Ma'é é como aquelas pessoas que são indiferentes a manifestações ruidosas de amizade, desconfiam de pessoas solícitas demais e fogem de contatos físicos desnecessários; pessoas que, seguras de sua hora, não se precipitam, não gastam "cartucho" sem motivo.

Chei'd(e pulgas) vira-latas preto-e-branco, mascarada, sobejo da morte recolhida no mercado público sem grandes possibilidades de sobrevivência por ser muito pequena. Atualmente está gorducha, com uma barriga imensa. Chei'd é totalmente abusiva, braba, meio alucinada. Sua brincadeira e distração é morder, quem quer que seja. Mal educada, sobe no colo das visitas, implora bocados à mesa, tira os outros gatos da tijela. Deixada à vontade, afia as unhas nas pernas dos incautos, entra em bolsas, derruba almofadas. Viciada em bolinhas de papel, quando cansa de brincar carrega-as na boca e as esconde. Quando está entediada, reclama com barulhinhos histéricos, não espera nada, e já chegou a tomar da mão de meu genro um pedaço de carne, solicitado e negado.

Chei'd é criatura do mundo, telúrica e comparável à maioria das pessoas que conheço. Abusiva e entrona, ficam mal depois de pisarem na bola, mas pisarão sempre, por que essa é a sua natureza.

Chei'd brinca a meus pés e Ma'é está deitada na mesa, junto de mim me observando com seus olhos verdes e oblícuos, como os de Capitu. Romeu está instalado no sofá, de sono solto, Lili não deu o ar de sua graça e Ton-ton está observando a rua, do alto do muro.

Povoo meu micro universo com eles, que me fazem companhia e a quem amo devotadamente.

Não amo as pessoas do mesmo modo, por que elas mesmas me impedem de fazê-lo, quando mostram mais o lado humano que o felino. Gosto de gatos, eis tudo.

O REX ME PERGUNTA A QUEM INTERESSA ESSA CRÔNICA, E EU RESPONDO A ESSE DINOSSAURO ATREVIDO, QUE ESSA CRÔNICA FOI ESCRITA PARA QUEM INTERESSAR POSSA.

DOU OS DEVIDOS CRÉDITOS DOS NOMES DA MAÉ(FEIA) E DA CHEID(E PULGAS) A BRUNO, MEU GENRO, INEGAVELMENTE UM GÊNIO PARA NOMEAR GATOS.