As Meninas
As Meninas
Meninas eu vi brincando de um jogo esquisito. Jogo de quase roupas e muita pintura nos olhos e bocas. Rostos que se revelavam quase mulheres em meio a mulheres divorciadas dos filhos. Mas eram meninas atiradas às ruas como bonecas abandonadas em velhos baús. As primeiras carregando o peso do esquecimento; as segundas, também, embora não tenham estas o fôlego da maternidade, acostumadas ao papel de filhas das filhas de mães que não puderam se maravilhar com a própria infância renascida. Era assim, dolorosamente assim. Senti nos olhos um soprar de areia que não era sono ou cansaço. Não. Talvez cansaço de ver a vida judiando da vida e negando-se à esperança sempre tão esperançosa de abraçar a vida como quem cuida de uma rosa muito rara. Mas no jardim que me aviltava a vista, as rosas eram feitas de plástico como as que se compram nas feiras e lojas de 1,99. Meu chope esquenta enquanto estanco. Onde estará minha filha? Alivio-me ao celular ouvindo a voz adolescente perguntando se eu vou demorar muito. Tomado pela pressa dos que sentem saudades, solicito a conta ao garçon. Um sorriso furtivo vasculha minha mesa, mas não ousa. Numa outra, sorrisos de homens com bigodes e barbas nada pintadas seqüestram aquele riso de oferta e brindam àquela que se ajeita oferecendo-se ao ritual macabro. Ao meu lado, uma voz sugere que a vida tem dessas coisas e ninguém tem culpa. Será? Contudo entretanto porém todavia, recolho-me adverso. Carrego as sombras do que vi: uma nuvem plúmbea das meninas aportando em cais nada seguros, embora tenham elas a ilusão dos oásis. Entro em casa resoluto. Minha filha está dormindo na sala. Conduzo-a ao quarto. Tem o peso das esperas, mas sorri por me ver empenhado no translado impossível. Beijo-lhe o rosto e vou dormir com medo dos sonhos, mas só dos meus, meu Deus, só dos meus.
Aldo Guerra
RO 02/03/06