Tecnologia, para quê?

Treze de julho de 1995. O século XXI nunca estivera tão próximo.

As substâncias radioativas resultantes das experiências atômicas e de "vazamentos", como os de Chernobyl e de Three Miles Island, flutuam na biosfera e nos matam em longo prazo.

Tal como milhões de brasileiros, ligamos a "telhinha" para assistir às últimas do dia.

Surge um pequenino pica-pau escalando e pinicando um enorme ônibus espacial. Camuflado por essa imagem, um repórter comenta: "somente hoje, com mais de um mês de atraso, ocorreu o lançamento do Discovery, para colocar em órbita um novo satélite de comunicação da NASA no espaço. O motivo do atraso foi a necessidade de reparar centenas de furos realizados por pica-paus no revestimento dos tanques externos de combustível do ônibus espacial".

Indiferente à sofisticada tecnologia e aos recursos aplicados, o pássaro executara a tarefa de forma muito mais jocosa e lúdica do que habitualmente. Pudera, a ocasião merecia um aprimoramento.

Há muito que, naquele deserto, não encontrava um tronco de árvore ...

Certamente, aquela imagem era a mensagem do fim do século. Provavelmente, uma convocação para uma reflexão sobre a relação do homem com a natureza.

Era como se o pica-pau invocasse a sabedoria de nossos ancestrais: "a única forma construtiva de relacionamento do homem com a natureza é por meio do respeito e do conhecimento”.

A aparição do pica-pau no "circo da tecnologia" inquiria sobre o sentido da nossa ciência, da nossa técnica e do nosso desenvolvimento.

Não será suicida um modelo de desenvolvimento que se apóia no consumo exponencial de recursos naturais não renováveis e na produção de detritos altamente resistentes?

Para que tecnologia, se por um lado temos a explosão demográfica e por outro, a terça parte do mundo transformada em desertos?

Por um lado a televisão. Por outro, a tirania da propaganda impondo-nos um consumo com luxúria e desperdício e um comportamento, ao "estilo papagaio", repetidor de idéias e opiniões difundidas nos dias anteriores.

Por um lado o computador. Por outro, a alienação de assinar os trabalhos executados por Sua Majestade o "software" - representante exclusivo da nova elite pensante e detentora do "know-how".

Numa face os métodos anticoncepcionais e de planejamento urbano. Na outra, concentrações urbanas e industriais poluindo lagos, rios, mares e o ar, "desertificando" o planeta, secando mananciais e impedindo o ir e vir dos "megalopolitanos", personagens dos dramáticos e cotidianos congestionamentos de tráfego.

Por um lado a física quântica e a nuclear. Por outro, uma variedade de arsenais nucleares capaz de destruir centenas de planetas como a Terra e usinas nucleares, aquecendo as águas das costas oceânicas e nos ameaçando com seus "lixos" e "vazamentos".

O modo capitalista de produzir aumentou o rendimento do solo e reduziu os custos de produção agrícola. Entretanto, o processo de utilização esterilizou o solo, quer pela compactação de sua superfície pela ação de máquinas pesadas, quer pela adubação química excessiva. Além disto, inseticidas, fungicidas e herbicidas, ao mesmo tempo em que acabam com as pragas, destroem milhares de outras espécies e contaminam os alimentos

O diário "Estado de São Paulo", em abril de 1977, certificando o paradoxo da "tecnologia da produtividade", divulgou: "as crianças nascidas em São Paulo já carregam em si taxa de 2,2 ppm de DDT, transmitido pelo cordão umbilical".

Para complementar, os processos de produção, para conservar, colorir ou realçar o sabor dos alimentos industrializados, utilizam produtos químicos, alguns dos quais já comprovados como nocivos à saúde do homem.

Para que tecnologia, se quem mais sofre com a poluição são os mais "adiantados"?

A metade da população dos Estados Unidos bebe água contaminada pelos cianuretos e sais de Nitrogênio da adubação química.

Para que tecnologia da bomba limpa - de nêutrons, que mata os homens, mas deixa intacta as cidades?

Para que tecnologia que pretende humanizar a máquina com a implantação de DNA nos computadores e robotizar o homem com a implantação de "chips" em seus cérebros?

Cremos que o pica-pau, ao fazer os buracos que atrasaram um dos mais badalados espetáculos da tecnologia, quis marcar, definitivamente, as nossas diferenças.

O homem, além de agir por instintos como as aves e outros animais, é o único ser da natureza que idealiza e projeta, antes de fabricar. É o único ser que fabrica seus próprios meios de trabalho que, por sua vez, é o grande elemento de relação entre o homem e a natureza.

Assim, nos parece claro que não é a tecnologia o "vilão do universo", mas quem a idealiza, projeta e implanta.

O mesmo "Estado de São Paulo", de 26/07/78, traz um certificado histórico da nossa capacidade de destruição: cerca de 40% da fauna de grandes animais da África e 71% dos da América do Norte foram extintos entre 15.000 e 12.000 AC. A razão foi o uso do fogo e de lanças pelo homem da "Idade da Pedra".

É nossa convicção de que as imagens transmitidas naquela noite foram a versão atualizada da mitologia da esfinge: “decifra-me ou te devoro".

Imagens de convocação aos homens para que desenvolvam a “tecnologia da nova era".

Métodos e processos para: conhecermos a nós mesmos, entendermos e respeitarmos as leis da natureza, abandonarmos esse estágio de homem da caverna e eternizarmos o planeta.

“Barbárie Tecnológica" e “De Volta à Casa Materna" são nossas rimas para festejar e aplaudir a sagrada e sábia rebeldia do pequenino pica-pau.

Barbárie Tecnológica

Eficiência, produtividade,

pesquisa, reengenharia,

ciência e total qualidade,

salve e viva a tecnologia.

São métodos para não conceber

e explode a demografia.

Planos para a cidade não crescer

e engarrafamentos todo dia.

Rádio, jornal e tevê,

da massa, a tirania em mídia,

ditam idéias, desejos, dor e prazer,

salve e viva a tecnologia.

Vazamentos de usina nuclear,

buracos na camada de ozônio,

planos de guerra estelar,

bombas de nêutrons e lixo atômico.

Poluição das águas e do ar,

saladas com inseticida,

óleo como ondas no mar,

salve e viva a tecnologia.

Salve o milênio da Vinda,

esperança de um novo homem,

agente da preservação da Terra

e de uma nova tecnologia.

Salve e viva a Nova Era,

Salve e viva a Nova Era.

De Volta à Casa Materna

Lamento não livrará, do óleo, os mares,

prantos não semearão o solo desmatado,

desespero não calará as armas nucleares

e lágrimas não limparão o rio poluído.

Desalento não impedirá a poluição dos ares,

queixas não farão puros os alimentos,

medo não sumirá com o lixo atômico

e dó não encherá os buracos de ozônio.

Do homem, só a evolução

pode alterar seu destino.

Muda a tecnologia sua direção,

saindo dos becos do domínio

para as estradas da preservação.

Muda o homem seu sentido,

saindo das ruelas do ter

para as avenidas do ser.

Muda o homem seu destino,

voltando, da natureza, a ser filho,

voltando, da natureza, a ser filho.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 06/12/2008
Reeditado em 04/03/2021
Código do texto: T1321490
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