Crônicas da Esquina (Nostalgia)
NOSTALGIA
“ Porque naquele tempo...” Sempre que ouço essa expressão, não consigo resistir à tentação de voltar-me a fim de identificar o ilustre passadista. Em geral, trata-se de um macróbio cidadão que, do alto de suas cãs ou lustrosa careca, empurra o barco da vida em direção a águas mais mornas e calmas. Certas saudades parecem exigir o aval do tempo para serem sentidas em toda sua intensidade.
Não me volto de chofre, como acontece com todos aqueles que, pegos de surpresa, assustam-se ao inesperado toque. Não. Viro-me como quem busca um ponto distante e, paulatinamente, vai descendo os olhos até encontrar o alvo. Enquadrado, pericio-lhe os gestos, ausculto-lhe a alma nostálgica. E, nessas horas, meu tempo presente coagula e lá vou eu por uma espécie de cordão em direção àquele que é invocado quase como um lamento.
É sempre assim: identificada a fonte, amplifico os ouvidos e dou-lhe as costas – ambiguidades à parte – com vivo interesse. Apenas a voz faz algum sentido. Monitoro-lhe o timbre, escaneio-lhe as imagens sugeridas e, num imaginário caderno de anotações, registro os fatos relevantes daquela anamnese não consentida. Outras vozes interpõem-se e acrescentam novos dados, outras datas, antigas vivências. Cheiros ancestrais e gritos primevos contaminam o ar e mudam-lhe a atmosfera. Aquele tom de jurássica saudade parece convencer-se de que “naquele tempo” as coisas não eram apenas diferentes: eram melhores.
Exageros fora, não me é difícil compreender esse fascínio por um universo que, embora distante, não perde o gosto doce, por exemplo, da infância. Sendo eu mesmo o dono do meu tempo, como num parto às avessas, vou encontrar-me com as minhas saudades. Arrebatado para outras paragens, lembro-me de que não se sentava à mesa sem camisa, nem se lhe ambicionava a cabeceira, lugar do pai a quem idolatrávamos como a um Totem porque, nele, esculpíamos nossa essência.
Aos domingos ia-se à missa e confessava-se a padres velhos e maldosos. As professoras eram balzaquianas assexuadas. O universo erótico limitava-se às rápidas passagens pelo banheiro tendo à mão as clássicas revistinhas contrabandeadas em bancas por jornaleiros espertos e libidinosos. Tudo isso aparece como peças fossilizadas e resgatadas pela escavação das lembranças.
No entanto, chamado às pressas de volta ao mundo real, certifico-me que somente agora éramos mais felizes naquele tempo. Mas, pergunto-me: por que nos lamentamos se ao filho de hoje não lhe concedemos o mundo encantado de outrora? Sigamos, pois também ele saberá encontrar a sua Terra do Nunca para visitar quando, inevitavelmente corroído pela erosão dos anos, sentir a mesma nostalgia ao dizer: “ porque naquele tempo...”.
Aldo Guerra
Vila Isabel, RJ.