LETRA BONITA
 
   Sempre gostei de escrever. Assim que comecei a ler comecei também a escrever. Meus primeiros escritos eu os fiz na classe multisseriada de Dona Zara, lá em Arantina, MG. Ela colocava um álbum seriado na frente do quadro negro e ia passando as páginas com as gravuras mais lindas para que a gente as descrevesse. Depois tínhamos que criar uma história sobre cada quadro. E assim foi durante muitos anos: a cada dia uma gravura era colocada a nossa disposição.
A classe de Dona Zara funcionava em um salão com portas abertas para a rua de onde avistávamos todo o movimento da pequena vila, mas nada tirava a minha atenção das aulas a não ser o trem passando na linha mais abaixo. Era irresistível ver as pessoas nas janelas e não criar para elas uma história cheia de fantasias.
As aulas eram dadas para os três primeiros anos de ensino escolar e quando não havia mais nada a ser ensinado ali fui para o colégio interno. Fui em um mês longínquo de outubro, mas as lembranças ainda permanecem. Eu iria freqüentar dois meses para poder fazer as provas finais do antigo quarto ano primário. No primeiro dia de aula Irmã Aline pediu-nos que fizéssemos uma redação contando uma viagem. Eu contei. Enchi um caderno dando a volta ao mundo em um avião, acompanhada de Santos Dumont. Foi aí que deitei na cama e me transformei na fazedora de redações do colégio. Eu as trocava por outros deveres de casa, tais como desenho e trabalhos manuais. Nos dois anos seguintes continuei a escrever. A professora agora era a Irmã Isaura e todos tínhamos um caderno grosso, de capa dura, e a obrigação de desenvolver um tema para a próxima aula. Na aula seguinte ela numerava as redações, dava outro tema e assim os dias iam passando. No final do mês tínhamos umas dezesseis redações, ela sorteava uma, corrigia o mesmo tema de todas e mandava que as melhores fossem lidas. Eu sempre lia a minha e sempre tirava a nota máxima. Os temas? Os mais esdrúxulos possíveis. Os mais dramáticos e tristes. Nos outros anos de minha vida escolar as redações saíram de foco e eram pedidas mais raramente. Mas eu já tinha apanhado gosto.
Tudo o que a gente escreve tem sempre um preâmbulo. Acho que  acabei de escrever  o preâmbulo mais longo que já fiz. Porque o assunto que me propus a escrever hoje não foi sobre o escrever bem. Foi outro, ao qual passo agora.
Desde as primeiras letras que escrevi eu detestei fazer letras feias. Minha letra tinha que ser bonita. Sofri muito com isso. Podia o caderno ir ao meio, fosse qual matéria fosse, se me desse um piti e eu achasse que a letra estava feia eu passava ele todinho a limpo. Na maior vagareza. E assim continuei pelo resto da minha vida. Mais importante para mim do que escrever bem era escrever com letras bonitas. Ainda é um grande orgulho para mim quando dizem: Nossa, que letra bonita! E assim a minha vida  de escrevinhadora foi transcorrendo.
Um dia, já faz muito tempo, eu estava em minha Fábrica de Pães que ainda não era minha, mas de meu pai, quando um senhor se aproximou de mim. Eu não me lembro do nome dele por mais que tente, era alguma variação de Joaquim: Quinzinho, Quincas, Quinzote, sei lá. Sei que era uma pessoa pitoresca, destas que existem em todas as cidades. Todo mundo conhece. Uma figura popular. Andava sempre de paletó, embora surrado e por que não dizer? Ensebado. Pois o tal do Quinzinho (vou chamá-lo assim) se aproximou de mim e disse: Soube que você escreve muito bem, por favor, escreva uma coisa para mim? Achando aquilo tudo muito esquisito pensei: Santo Deus, o que vou escrever para ele?  Tentei escapulir e disse: Ah, não tenho papel nem caneta. Ora, isso não é problema, ele argumentou. Então ele pediu ao meu pai um papel que embalava os maços de cigarros, cortou bem cortadinho um pedaço pequeno, tirou uma caneta do bolso do paletó e disse: Escreve aqui. Mas o que vou escrever em pedaço tão pequeno? O meu nome, disse ele. E o pronunciou pausadamente. Assim que eu acabei de escrever ele falou: Nossa, você realmente escreve muito bem! Olha como o meu nome ficou bonito! E dobrando o papelzinho com o maior carinho colocou-o dentro da carteira surrada. Eu fiquei ali de boca aberta e ele saiu rindo sozinho.