RETRATO DE UM OUTONO

Esperei longo tempo por ti na curva do caminho.

Preparei a mesa com fartura para que pudéssemos cear juntos quando chegasses.

Guardei assuntos que não havia ainda compartilhado com mais ninguém só para trocar contigo coisas inéditas e especiais.

Vesti minha melhor indumentária e me fiz bonita com meu maior e mais luminoso sorriso pra te receber. Perfumei também o ambiente com aromas suaves para nos sentirmos livres como em campos descobertos.

Quando te avistei chegando, acendi os lampiões de gás, cujas chamas se fortaleciam com tua aproximação e davam ao ambiente um tom mágico e especial. Ofereci confortáveis almofadas de afeto para que te sentisses tão bem quanto eu assim estava por finalmente te ter ao meu lado.

Logo notei que apesar de estar cansado, teus olhos ainda brilhavam ansiosos pelo desconhecido e por isso querias apenas renovar tuas forças, antes de continuar tua busca pelo inacessível.

Depois do descanso que te proporcionei, minha acolhida não parecia suficiente para fazê-lo ficar ao meu lado ou mesmo para que pensasses em me convidar a te acompanhar em tuas aventuras.

Minha mesa não possuía os alimentos que gostavas, meu conforto era pouco para os anseios do teu corpo e minha luz não iluminou, como desejei, o teu coração!

Tua ansiedade encurtou o tempo que poderíamos dividir com nossas histórias e descobrir nossas afinidades. Teu medo de que alguma intimidade o prendesse era maior e não permitia que fortalecesses vínculos de afeto com ninguém.

Não tive oportunidade de abrir meu baú de memórias nem de te contar das experiências que acumulei enquanto te esperava. Não consegui sequer falar-te das saudades que me acompanharam nas madrugadas pela tua demora em chegar.

Não pudeste saber ou compreender a intensidade dos meus sentimentos, fosse de alegria ou de tormento, nem me quiseste por a par dos teus, porque tinhas traçado um roteiro individualista de viagem para ti que certamente não incluíam parcerias ou era inadequado para mim.

Um certo inconformismo ainda me impeliu a mostrar-te os mapas de previsão de tempo, mas tua determinação era capaz de desafiar quaisquer obstáculos.

Para não despertar tua compaixão, revelando a ti minha fraqueza em acreditar que tivesses vindo pra ficar, ajudei-te a partir sem mais demora.

Reforcei o lanche da tua bagagem e fiquei parada na soleira da porta vendo-te sumir na poeira do caminho.

Sem que soubesses, rios de lágrimas vertiam dos meus olhos enquanto te afastavas e quando me dei conta percebi que tua passagem me deixara numa ilha que eu mesma criara e alimentava com a amargura da minha expectativa infantil e desproporcional para a realidade que havias me mostrado.

Gritei pelo tempo que me ouviu e se aproximou com seu barquinho, oferecendo-se para me tirar daquela situação.

Separei o aprendizado e a esperança e coloquei na mochila antes de partir. Tranquei os sonhos, as ilusões e meu incorrigível coração vagabundo em um cofre para levar comigo e plantei a chave sob a mais bela roseira púrpura do quintal... Quem sabe um dia tu pudesses voltar, encontrá-la e talvez seguir as pegadas que eu deixaria na areia do caminho onde o rumo da vida estivesse me levando? E se não fosses tu, outro peregrino poderia por ali passar e curioso assim também pensar...

Sorri para o velho senhor do tempo e me acomodei ao seu lado sem arrependimentos inúteis! Aquela chave era especial e só alguém como ela poderia encontrá-la, caso contrário, era melhor que ali ficasse eternamente, escondida sob a terra mãe e adornada pela mais bela e perfeita flor que escolhi pra simbolizar minha paixão e que ali ficaria adormecida!

Cristale
Enviado por Cristale em 28/11/2008
Reeditado em 04/11/2013
Código do texto: T1308577
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