Verdades e mentiras.
Quando é que a mentira pode ser mais saudável que a verdade? Afirmo que "cuspir", "escarrar" verdades incontestes e caústicas, não é prática das mais caridosas; também mergulhar nas constantes mentiras piedosas, como almofadas para o sofrimento, pode também vir a transformar-se em um mal tão pernicioso quando mentir.
Mentir, quando a verdade não fará bem a ninguém e mal a muitos. Guardar só para si estas verdades assim, que desmobilizam.
Ninguém é dono da verdade, e ela tem mil faces. O que é realidade para mim, será para o outro? É permitido anatematizar crenças, quando nenhum bem disso resulta?
Falar a verdade, quando dessa verdade inconteste resultar uma severa modificação num quadro caótico. Alardear essas verdades ainda que dela resultem consequencias pessoais dolorosas. A mentira tem mil manhas, e está nas bocas mais idôneas. O que é mentira para mim será para o outro? É proibido tentar anular a dor que certas verdades causam? Defender-se da dor não é um movimento natural do ser humano?
Ser gente, ser pessoa, ter a certeza da finitude, da senilidade e decrepitude , ter consciencia da limitação humana; saber-se pó, saber-se nada, crendo ou não na permanencia do espírito - em alerta ou em latencia - após o irremediável episódio da morte.
Creio nada podermos contra o tempo e a verdade, creio nada sermos em relação as coisas, creio na sombria visão do futuro próximo, que a maioria tende a negar tão veementemente. Nenhuma plástica ou botox nos devolverá a juventude; nenhum tratamento ou mentalista nos devolverá a inocência da infância; nenhum doce nos dará o conforto e a segurança do ventre materno.
Nascemos para o episódio final do show da nossa vida, e o regaremos com lágrimas e sorrisos, verdades e mentiras, na mais absoluta incoerencia.
Queremos e não podemos, somos e não somos, erramos e acertamos, ao sabor do acaso ou das escolhas.
Nos tornamos ofendidos ou ofensores, seremos vítimas ou vilões, enfim.
Ouvi uma história de família muito interessante: Um velho rico, conhecido como pessoa grosseira e pedante, parente de minha avó (primo, creio eu) casou-se com uma moça bonita e pobre, bem uns quarenta anos mais jovem que ele. E ela, desde sempre tratou de traí-lo com todos os homens jovens que podia; motorista, jardineiro, pedreiros vários (creio que preferia estes). Ou o velho sabia e fazia de conta que não sabia, ou não sabia mesmo; o fato é que além da idade e da grosseria, ele a humilhava publicamente dizendo que a havia tirado da fome e da pobreza, que tudo que ela tinha devia a ele e coisas que tais. Ela, humilhada diante da parentela, visto que ele fazia isso em público, dizia apenas muito calmamente: - Owww, Manuel, você me faz pecar!
Todo mundo sabia das "pontas" que ela delicamente punha no velho, mas ninguém contava.
Pra quê? Ela era, segundo minha avó, uma pessoa doce e gentil, que adorava crianças, tomava conta dos velhos, a primeira a comparecer nas novenas de família, habilidosa na arrumação de andores de procissão e altares de casamento.
Assim, de que bem resultaria contar a verdade?
Vi, há poucos dias, uma solteirona amarga e intragável, useira e vezeira de cuspir misérias que ninguém contesta.
Ai está um bom uso para a verdade.
O T-Rex pergunta o que vem a ser esse desabafo melancólico e incoerente.
- Sei lá, Rex, estou triste.
Mas, o T-Rex não sabe lidar com sentimentos explícitos e britanicamente se retira.