Pequeno Paradoxo

Acordo bem cedo acreditando estar atrasado para o trabalho, mas me engano após olhar as horas. Hoje, terça feira, aparentemente um dia comum, até a hora em que me sento para tomar o café e olho para o lado por através da janela. Uma cena me deixou paralisado e atento por minutos, arriscando até perder a hora do ônibus. Um pardal havia se prendido num pedaço de arame que, imagino eu, era o suporte de uma gaiola. Era notório o desespero do pássaro e ainda mais quando vi a primeira tentativa de vôo, que à primeira vista pareceu ter dado certo, mas depois o vi sendo sugado para o ponto de partida. Como ele chegou ali eu não sei, mas já estava com muita pena e não podia ajudar, pois estava além do muro. Fiquei observando aquilo e sentindo um aperto no coração ao ver o pobre pássaro pendido em meio ao arame, até que, pelo que parece, chegaram seus amigos. Eles, como o pássaro em apuros, pareciam muito desesperados com a situação e tentavam de várias maneiras ajudá-lo a sair dali. Voavam de um lado para o outro, davam bicadas no pedaço de arame, mas nada acontecia. De vez em quando, o bando voava deixando a mim até uma suspeita de abandono, mas segundos depois, retornavam e repetiam as tentativas. Num desses momentos ouvi minha mãe dizer:

- Jesus podia ver isso e tirá-lo dali.

Comecei a pensar que talvez ela já estivesse muito preocupada, pois começava a apelar para o divino, foi quando voltou a falar:

- Se tivesse o telefone dele, eu ligava.

Depois dessa última fala daquela que me gerou, fiquei bastante confuso, pois não sabia se era um ato de bondade ou uma piada sem graça. Foi quando lembrei que Jesus era o nome do nosso vizinho.

Após inúmeros momentos de aflição e várias tentativas anuladas pela imperfeição do corpo das "aves salva-vidas", o pássaro, enfim, consegue se livrar daquilo que mais parecia uma armadilha e despenca no chão, sem pôr em dúvida as leis da gravidade. Depois disso, alguns pássaros que o envolviam enquanto ainda estava preso, desceram em queda livre e logo depois retornaram ao telhado. Não deu pra saber se o pássaro que caiu, subiu junto com os demais ou ficou estirado no chão depois de tanto esforço, mas a agonia já tinha passado. Fiquei muito tempo pensando naquele acontecimento e como os pássaros se movimentavam ininterruptamente tentando salvar o amigo. Pensei no jeito que eles saíam em debandada num certo número e voltavam segundos depois com mais unidades, como se pedissem reforços. Pensei em como os pássaros agiam como seres humanos. Pensei nos seres humanos.

Pensei em como seria o final dessa história se ao invés de pássaros, fossem seres humanos.

Heitor S
Enviado por Heitor S em 16/11/2008
Reeditado em 30/08/2011
Código do texto: T1287243
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